Sabedoria oriental

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Sabedoria oriental

“Tudo está interligado, mas o homem atual está desconectado de tudo o que é importante”, dizem os entrevistados do mês.

Sumio Tsujimoto e Vera Sugai, que são descendentes de orientais, falam sobre a importância de uma transformação na sociedade, que começa com uma mudança de postura e de autoconhecimento, essenciais para a melhoria do planeta e das gerações que estão nos sucedendo. Vera escreveu três livros com a colaboração de Sumio (O Caminho do Guerreiro I e II, da Editora Gente, e Arte da Estratégia, da Sapienza), que abordam a base das artes marciais e como o zen-budismo ajuda a moldar o caráter de um verdadeiro guerreiro na busca por seu autoconhecimento.
Sumio e Vera são proprietários da Kyto, academia localizada na Vila Leopoldina que congrega diferentes associações e é focada no ensino de artes marciais orientais, como judô, karate, jiu-jítsu, yoga, aikido e tai-chi-chuan. Em entrevista exclusiva ao Guia Daqui Lapa-Leopoldina, os sócios respondem questões sobre o histórico de sua academia, a educação atual, a violência e os valores morais de nossa sociedade, entre outras. Acompanhe.

Como e quando nasceu a academia Kyto?
Sumio Tsujimoto: Nós estamos neste mercado na Zona Oeste há quase 35 anos. Começamos com uma academia completa na rua Catão, onde oferecíamos, além das artes marciais, cursos de natação, ginástica, etc. Com o passar do tempo, essas outras atividades começaram a não fazer mais sentido para nós porque, como orientais, entendemos que tudo o que faz bem para o corpo tem também de fazer bem para a mente (alma) e para o espírito. Abrimos então a Associação Tsujimoto, só com atividades do Extremo Oriente e iniciamos um projeto chamado Unijudô, a fim de propagarmos esse esporte como uma filosofia que tem como objetivo principal o crescimento pessoal e o autoconhecimento. Mudamos o nome para Unijudô para nunca esquecermos desse projeto, mas, como fomos agregando outras atividades, como karate, jiu-jítsu, yoga, aikido e tai-chi-chuan, criamos a academia Kyto há 12 anos, que agrega várias associações e essas várias modalidades.

O nome Kyto tem algum significado?
ST: Sim, tem vários. Como primeiramente homenageei a família de meu pai, do qual herdei o sobrenome Tsujimoto, quis homenagear a família de minha mãe, que originalmente no Japão foi Kyto e depois, já no Brasil, mudou para Sato. Pelos ideogramas, também significa glicínia, que é uma flor muito delicada e bonita, além da expressão “cair e levantar”, que tem tudo a ver com nosso trabalho: aqui no tatame, todos caem, mas erguem-se e continuam sua luta. 

Foi dito que tudo o que faz bem para o corpo tem também de fazer bem para a mente (alma) e para o espírito. Há diferenças entre a alma e o espírito?
Vera Sugai: Sim. No ocidente há uma divisão entre corpo e a palavra alma é confundida com a palavra espírito. No oriente, entretanto, espírito significa “aquilo que é intangível”, que não podemos tocar e também não vemos, mas que faz parte de cada um de nós. O espírito então é de onde nascemos, da unidade que está no cosmo, da divindade, de uma semente divina, que se reparte em milhares e vai para mundos onde ele precisa se desenvolver. Uma fagulha dessa semente divina, que entra no corpo de um bebê e começa a se desenvolver no mundo, é o que chamamos de alma. Podemos dizer também que a alma é uma tela em branco, que só tem tendências positivas e negativas e que se desenvolve a partir do que é ensinado e compartilhado.

Para os orientais, então, tanto a alma quanto o espírito são eternos?
VS: Não. O espírito é eterno e imutável, mas a alma se desfaz na hora da morte. A alma é o ego humano. Aprendemos que apenas 1/10 desse ego continua e carrega aquilo que não se resolveu, sendo, então, passado para um próximo corpo.

Então, as gerações que nos sucedem vêm melhores?
VS: Sim, muito melhores. Os jovens e as crianças que estão chegando ao mundo são cada vez mais especializados. Eles entendem mais, pensam melhor e agem rapidamente. São seres humanos muito melhores do que os de antigamente.

Se são melhores, não deveriam ser menos violentos? Onde entra a violência que vivemos hoje? A raiz da violência está em nossa sociedade?
VS: A gente sempre procura um motivo, mas é complexo… Para sintetizar, vamos dizer que o ser humano é composto de corpo, que herdamos do reino animal, e também temos uma série de glândulas que determinam nossa personalidade. Tem aqueles que são mais agressivos, outros menos, há uma variabilidade de tipos de personalidade, onde colocamos desejos, desejos e mais desejos. Quem é essa tal de sociedade de consumo, se não nós, as televisões que assistimos, as notícias e objetos que consumimos? O poder de consumo é calculadamente colocado em todos nós para despertar desejos. Alguns satisfazem todos, a maioria satisfaz uma parte, outra parte não satisfaz nada. O jovem que quer determinadas coisas, e é impetuoso (o que não é errado ser), vai buscar pelo bem ou pelo mal. Em um meio como o nosso, onde só há impedimentos, um ser dessa forma tão especializado vai ficar quieto? Não, ele vai roubar, matar, acontecer e fazer qualquer coisa para satisfazer seu desejo.

Há uma forma de combatermos essa violência, que assusta a todos?
VS: Sim, pois existe em nós essa raiz divina. Nós temos valores, temos a questão das regras, que são éticas. Essas questões deveriam ser mais entendidas, refletidas, discutidas e mais aceitas por todos, a começar pela família, pela escola e por toda a sociedade. É fato que todos nós nos revoltamos contra algo. E essa revolta é a mesma que aquele jovem sente. Se ele não for ensinado e direcionado a avaliar, a mudar, ele parte para a violência, dependendo de sua personalidade.

A chave de tudo é a educação?
VS: Sim, mas uma educação que aborda questões humanas profundas. Não essa que a escola atual dá. Estamos vivendo uma época maravilhosa no que diz respeito à abertura da internet, das mídias sociais, que dão vazão à imaginação do jovem, mas as escolas continuam num posicionamento quase medieval em termos de aprendizagem. Quando um menino que tem um tablet, que lhe abre possibilidades múltiplas de conhecimento, vai aceitar que deve decorar mapas, sem achar que os mais velhos são doidos varridos? Ele não vê sentido tirar um A ou um B decorando mapas, sem discutir questões de geopolítica, que são mais importantes para ele. Os jovens não estão mais dispostos a ceder e as escolas têm de mudar seu modo de ensinar. Temos hoje escolas lindas, mas que continuam arcaicas em seus ensinamentos. Os pais pagam as mensalidades caríssimas para ver seus filhos aprendendo, mas eles continuam sem liberdade de criar, crescer. Tudo vira uma grande manipulação, onde os jovens vão sem querer para as escolas, apenas para justificar o que seus pais pagam. Isso gera muita frustração e revolta. Essa violência da qual falamos, que estatisticamente vem mais do jovem, explode pela falta de comunicabilidade e pela falta de entendimento de seu verdadeiro papel como ser humano. Os jovens de hoje são melhores e mais inteligentes que nós, mas estão perdidos, bebendo, usando drogas, quebrando, porque eles não podem aguentar mais.

Estamos em nosso limite? Deve haver mudanças para tudo melhorar?
VS: Estamos no limite e temos de ver nossos prejuízos a partir de nossos equívocos.
ST: Para travar uma luta contra um sistema consolidado é muito complicado, então, nós, como pais, teríamos de entender em que mundo estamos vivendo. Não estamos mais em 1920, em 1990 ou no ano 2000, estamos no século XXI e nosso sistema educacional continua o mesmo desde a época do meu avô. É claro que todos os pais querem o melhor para seus filhos. Antes, os pais queriam que seus filhos estudassem, virassem médicos, engenheiros, advogados… mas esse conceito de que os filhos devem ser preparados somente para ganhar bem não está certo. É um chavão, que só entendemos na maturidade. Devemos deixar nossos filhos se sentirem realizados. Ser o melhor na escola somente para mostrar aos pais vai gerando insatisfação. Antes só nos revoltávamos aos 30 anos… agora, os jovens começam a se revoltar aos 12, 13 anos, não só sendo brutais, mas praticando pequenas violências, como arrancar árvores, jogar latinhas nos vidros… isso também é violência. Como adultos, temos de entender isso, mudar nosso padrão de pensamento. Temos de criar coragem e nos olhar por dentro para que haja uma transformação. Esse padrão de pensamento de nossos avós não serve mais; assim, temos de mudar, pois somos a fonte para que nossos filhos sejam melhores e tenham uma vida melhor e mais feliz.

O mundo precisa de modelos e heróis?
VS: Existe um interesse em consumirmos heróis. As celebridades estão aí, assim como os astros de futebol… mas, apesar de nos mostrarem heróis fracos, eles são úteis porque são acessíveis, saem de locais pobres, se superam, como um verdadeiro guerreiro (apesar que um verdadeiro guerreiro não se mostra arrogante, como nossos “heróis”). Dizemos aqui na Kyto que uma luta marcial deve ter budô (que é o verdadeiro espírito das artes marciais). Sem budô, a arte é bestial, uma luta pela luta. Tudo em nossa vida deve ter budô, onde importa preservar a vida, a liberdade, moldar o corpo, a alma e o espírito e as questões éticas. A ética é moral e espiritual ao mesmo tempo. Temos de ter ética em tudo e ter como objetivo o autoconhecimento, o crescimento pessoal e a felicidade. Não há segredo: basta olhar de verdade, ver, respirar… o povo brasileiro é muito melhor que seus heróis, mas ainda não descobriram isso. Todos somos maravilhosos, poderosos, mas falta conhecimento, um conhecimento profundo de nós mesmos.

O que temos de fazer para obter esse conhecimento?
VS: Nos superarmos. A superação é uma questão moral e a questão moral é divina, espiritual… Mas longe de qualquer religiosidade, do espírito nasce a vontade, que não é desejo, pois com vontade se faz tudo. A vontade brota do coração, de uma reflexão profunda entre sua razão e a emoção. Quando mostramos a uma criança o quanto ela é bela e cheia de esplendor, ela entende perfeitamente. O que falta é essa descoberta de si mesmo, esse autoconhecimento. Nós temos de ser nossos heróis. Sem isso, sempre precisaremos de modelos.
ST: Na escola atual, aprendemos que somos apenas uma caveira por dentro, mas temos energia, nosso corpo vital. Isso não é ensinado. Quando a criança descobre como tudo se interliga (todos os seres e o universo), ela começa a entender qual seu verdadeiro poder e do quanto ela é capaz. Aprendi com as artes marciais que temos sempre de ser agradecidos e pacientes para entendermos profundamente as coisas que nos acontecem, corajosos para nos transformar e transformar as coisas ao nosso redor e, principalmente, termos bom humor. Bom humor é fundamental! 

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