Tempo de mudanças

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Dezembro, mês de Natal e Ano Novo, é visto como o momento mais adequado para se fazer um balanço do ano que está terminando. Infelizmente, nem sempre esta avaliação das melhores. As pessoas estabelecem metas e cumprem algumas durante o ano. Outras são fontes de frustração. O fim do ano acaba sendo propício à depressão, angústia e estresse. Soma-se a isso a pressão psicológica de que é preciso estar feliz nesta época. Mesmo remoído por dentro é necessário sorrir.
Como lidar com tanta pressão? Não há receita, segundo o psicólogo e psicoterapeuta, Cláudio Bérgamo, professor de filosofia do Centro Cultural e de Estudos Superiores Aúthos Paganos. Para ele, as pessoas devem olhar mais para si mesmas e tentar descobrir seu equilíbrio. E isso é importante não só no final do ano, mas sempre. Melhor seria se a avaliação fosse periódica e que o indivíduo buscasse renovar suas metas e refletir sobre a vida. Criar uma atitude positiva diante do futuro é um passo importante, mesmo que difícil.

Final de ano. Termina um ciclo e começa outro. Esse começar de novo realmente acontece?
Acredito que isso é real na medida em que vivemos em uma esfera de tempo. A esfera do tempo é aquilo que a gente elegeu como sendo uma cultura judaico-cristã. Estamos no terceiro milênio, vivemos em uma época em que contamos a partir de Cristo. Essa contagem de tempo, a invenção do relógio, determina uma forma de pensar. Isso determina um espírito de pensamento e uma lógica que vem dos Gregos. Essa lógica faz com que a gente reconheça o tempo como uma coisa completa, materializada. A medida em que o tempo é uma coisa materializada, ou você convive com ele ou briga com ele. Você tem aquele tempo para imaginar o que vai fazer. Portanto as pessoas planejam mesmo nesse processo de temporalidade. Essa contagem é o tempo da sua vida, o que você gosta e o que vai fazer. A partir daí as expectativas são inúmeras. Mas nestas expectativas tem o lado simbólico. Você representa e cria as coisas que vai conseguir realizar e as que de certa formão irão te frustrar. Como vivemos em uma sociedade muito competitiva, onde a pressão é grande, aquilo que você precisa dar conta é sempre mais do que você pode. Se você conseguir dar conta de uma parte e chegar no final do ano lúcido, consciente de que conseguiu cumprir algumas metas, mas também consciente de que não conseguiu cumprir outras, e vai passar o ano consciente de que vai retomar um novo ciclo. Só que apesar de toda essa festa, é um momento em que as pessoas começam a olhar mais para dentro. Elas estão tentando compensar as frustrações.

Planejam outras coisas para compensar as frustrações…
Porque se não lidar com as frustrações, não passa de ano. E as frustrações são inúmeras. Mas para as pessoas você tem que dizer que realizou tudo. Não posso ficar por baixo. Mas no fundo estou olhando para dentro. A exigência social de que todo mundo tem que dar certo é muito grande. E quem disse que tudo tem que dar certo?

O “dar certo” é muito relativo, não acha?
Sim. Dar certo é procurar o seu equilíbrio. Dentro da diversidade, procurar um equilíbrio para continuar fazendo as suas coisas. A sua vida depende de seu equilíbrio. E seu organismo vai trabalhar a seu favor e não contra. Se você adoece o organismo está dando algum sinal. Ele está dando um sinal de que você está precisando de ajuda, ou de férias, ou de uma parada técnica ou de um médico ou psicólogo. Vai depender de como você encara aquilo que chamamos de dor. Enquanto o corpo não disser que tem alguma coisa, a pessoa não vê que precisa de ajuda. As pessoas esperam as coisas chegarem no limiar para irem ao médico, ao dentista e muito mais em um psicoterapeuta. Quer dizer, quando deixa de ser físico para ser emocional.

E os comportamentos? Por que são modificados no final de ano?
Os comportamento às vezes são forçados. Têm pessoas que estão absolutamente envolvidas com a família e não estão nem aí se já fazem aqueles Natais durante 30 anos. Mas têm outras que já não querem mais aquela convivência. É muito difícil desvincular e dizer que quer passar o Natal com os amigos, mudar. A família cobra muito e essas cobranças fazem parte do processo de temporalidade. O modo como nós pensamos, como realizamos nossas atividades e os vínculos, com eles são desenvolvidos. Mas ainda acredito que apesar das aparências as pessoas ainda estão olhando para dentro. Elas olham para dentro em momentos muito radicais, como morte, perda. Aí estão autorizados. Enquanto estamos sendo cobrados não podemos olhar para dentro. Passamos uma parte da pré-história caçando. Precisava caçar para comer. Depois deste período longo o homem começou a olhar para dentro, porque já estava em uma zona de conforto. Eram outros os problemas. Agora estamos vivendo uma dualidade. E como fazer para achar o meio? Sou contra qualquer idéia de resposta para que se encontre uma solução. Vamos considerar que todo mundo esteja olhando para dentro. Eu tenho que cuidar da minha vida.

Como lidar com as mudanças?
A resistência às mudanças às vezes é um bom sinal, apesar de parecer o contrário. A resistência é uma forma que a pessoa tem de se defender. Significa que ela está se defendendo diante de uma adversidade. Lógico que no final da linha ela vai procurar ajuda. Mas a resistência ao contrário é uma forma de defesa. É uma forma de você segurar suas ondas até onde você puder. É sinal de que você está se autopreservando para dar conta de tudo que a sociedade exige. Você está dando conta de tudo que a sociedade, a sua família estão exigindo de você? Muitas vezes não. Você está reagindo a isso. Essa questão da defesa às vezes é mal compreendida. A pessoa tem defesa ou é defendida? Se ela está na defesa, está segurando uma barra. Se está defendida também está fazendo isso.

E o defendido é visto como aquele que não deixa ninguém se aproximar e acaba se tornando um anti-social…
Se torna o chato, e quanto tempo ele vai agüentar? Às vezes ele está em uma zona de conforto, conseguiu manipular as coisas e vai viver a vida inteira assim. Mas é uma escolha dele. E pode ser uma escolha bem consciente. Por isso a gente erra muito na avaliação das pessoas. Enquanto a pessoa estiver operando a sua própria vida sendo a chato que é, incomoda todo mundo. Ele é o que gera antagonismo porque criou esta personalidade. E o organismo se defende até quando suportar as neuras da pessoa. Ele vai sempre fazer um esforço para reagir. A pressão é sempre muito grande diante de todos. Há os que se manifestam de forma neurótica e outros que são mais integrados. O que é a pessoa moderna? É aquela que está atenta as coisas que estão acontecendo com ela. E ela não precisa de terapia. Ela está observando bem o seu próprio movimento. Essas pessoas hoje estão em menor número. As pessoas estão em dramas constantes, em conflitos pessoais muito fortes, procurando saída e às vezes o ambiente não propicia ajuda, questões financeiras também. As relações humanas, o contato, o afeto são insubstituíveis.

Você acha que as pessoas buscam mais isso no final do ano?
Elas estão autorizadas a fazer isso por meio da troca de presentes. Dar alguma coisa para alguém. Isso pode ser feito em todos os níveis, do mais pobre ao mais rico. A pessoa também tem a expectativa de ganhar alguma coisa. Essa troca, embora implique num objeto, implica também em uma troca de necessidades. É como se a pessoa pedisse atenção. Ela viveu um ano inteiro numa solidão muito grande. Vamos localizar as pessoas que têm um convívio social privilegiado. E quem não tem? Elas são excluídas? Ninguém quer ser excluído. A exclusão implica numa reação muito ruim, que é a violência. A violência é resultado final da exclusão social. Ou seja, aquele que for excluído já no começo da sua própria vida, talvez por abandono, pela falta de um pai ou uma mãe amorosa… Se você tira tudo de uma pessoa, como vai dizer a ela que o mundo é cor de rosa? A exclusão também implica num evento para outras camadas sociais cujos bem materiais não seriam um problema. Mas a exclusão emocional também existe. O filho de um pai rico que trabalha o dia inteiro pode ser um excluído. Que atenção esse pai dá ao filho? O que aparece mais é o excluído social, o mais pobre. Mas há o excluído da classe média, da classe alta. Somos muito dependentes uns dos outros.

E dependentes dos símbolos que regem a nossa vida, como os natalinos.
Sim. Os símbolos indicam que neste período de tempo estamos vivendo todas as nossas emoções positivas e negativas que contém a nossa história de vida. A questão é quanto tempo conseguimos empurrar com a barriga uma necessidade. Quando há possibilidade de troca, tem-se a possibilidade de troca de afeto. Os ritos sociais servem, de alguma forma, para a gente representar de novo alguma dificuldade. Quando você tem mais arte, mais possibilidade de acesso social, você reinventa as suas emoções. Em um país que oferece mais cultura, mais arte, mais liberdade, você pode desabafar mais. E no envolvimento social você começa a encontrar semelhantes. E assim há troca.

A busca por essa troca pode transparecer no consumismo. Como lidar com isso?
A compulsão a compra é resultado da compulsão a repetição. Eu sempre fiz assim, porque vou fazer diferente? Vou continuar fazendo do mesmo jeito. Aquela história de que a pessoa dá e quer receber está mostrando que por um lado as pessoas querem dizer que estão ali, e por outro pode virar uma maquiagem. Dei, comprei, justifico. Isso é muito ruim. Principalmente na classe média e alta. Acredito que a pessoa mais humilde consiga lidar melhor com isso num dado momento. Classe média e alta estão completamente comprometidas com o objeto, com a festa e não com as relações. A sociedade de consumo é a parte da sociedade mais controladora, dita as regras e é formadora de opinião. Não dá para generalizar. Mas que ela é controladora e dita as regras do jogo, não há dúvida. Ela vai dizer qual produto você tem que comprar, qual presente você tem que dar, porque afinal de contas o outro tem o carro do ano. A pessoa não consegue se incluir numa classe média e alta se não seguir todas as exigências. E quem paga o preço? O mais desinformado, se não tiver uma estrutura emocional, vai querer copiar o outro. Ninguém quer se sentir inferiorizado. O tempo é aquilo que determina ciclos da nossa experiência. É uma questão mais filosófica.

O final de ano também é um período de muita ansiedade, agitação, angústias. Dá para lidar com isso de uma maneira menos estressante?
Existe uma urgência, mas esta urgência é mais um estado de espírito. É uma consciência diante de uma adversidade, que é a forma como a gente vive o nosso tempo, que são as nossas economias, a nossa sobrevivência concreta. Mas a gente precisa desenvolver a nossa intersubjetividade, quer dizer, a gente precisa sonhar. É sonhar acordado. Este sonho é parte do nosso organismo que vai se realimentando. São as nossas expectativas de fazer alguma coisa boa, de mudar a maneira de fazer certas coisas, mudança de comportamento… E não adianta uma pessoa dizer que a outra fez alguma coisa errada. Ela mesma vai saber. A gente sempre sabe. É que a gente está proibido de manifestar isso publicamente. A gente só está autorizado a manifestar quando tem uma doença, um problema muito sério. O nosso organismo está sempre a nosso favor. A única coisa que pode estar contra nosso organismo é a nossa consciência. Esse espírito negativo está dentro deste aspecto da temporalidade e dentro das regras ditadas pela cultura judaico-cristã que é muito carregada de culpa. O que é negativo conta, e o que é positivo, não. Por isso quando a pessoa vai dar o presente no final do ano, se aquele presente é significativo, você percebe. Veio o presente e alguma coisa a mais. O que a pessoa mostra é o que ela pode naquela hora. É claro que tem o lado automático de dar o presente. Mas por quanto tempo se sustenta uma amizade dessa forma, a família? E os conflitos? Por quanto tempo se sustenta isso a partir de uma festa?

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