Filha de peixe…

0
1403

Juliana Ribeiro Cabral é uma moça alta (1,69 m), bonita, olhos verdes, meiga, extremamente ligada à família, principalmente ao pai. Nascida em 1981, no Alto da Lapa, a caçula de quatro irmãos é uma das melhores jogadoras de futebol feminino do Brasil. Participou de inúmeros campeonatos importantes, incluindo as Olimpíadas de Sydney (2000) e Atenas (2004), onde conquistou a medalha de prata, os Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo (2003), medalha de ouro, e o Campeonato Mundial (1999), em terceiro lugar.
Juliana estudou até o 2º ano de Educação Física, mas trancou porque recebeu um convite para jogar no exterior. Agora, convocada para a Seleção Feminina de Futebol para os Jogos Pan-Americanos de 2007, aqui no Brasil, teve uma lesão (rompimento do ligamento cruzado anterior) e acabou fora da disputa. Mas nem por isso ficará longe dos jogos: será comentarista na tevê.
Numa manhã fria de junho, a zagueira Juliana recebeu o Guia Daqui Lapa/Leopoldina em sua casa para um bate-papo, acompanhado por um saboroso cafezinho e um bolo de cenoura, preparado pela tia e protetora, Dona Mafalda Tomaz Cabral. Acompanhe os “melhores momentos”.
Como começou seu interesse por futebol?
Desde que comecei a andar eu sempre corria atrás de uma bola. Meu irmão é dois anos mais velho que eu e nossa infância foi sempre jogando bola. Desde pequena eu ia para a rua, na Lapa ou no Pelezão, e a gente jogava. Meu pai levava. Minha mãe não gostava muito, mas como meu pai era jogador de futebol… Fui jogando. Minha mãe viu que era isso que eu gostava e me levou para fazer um teste. Era um time que a Milene Domingues fazia propaganda e passei no teste. Eu tinha 11 anos. Minha mãe morreu logo em seguida. Depois comecei a carreira. Aí teve uma oportunidade de eu jogar em Indaiatuba, no Saad, que era base da Seleção Olímpica de Atlanta. Meu pai me incentivou e eu estou até hoje: pelo incentivo dele, porque as dificuldades são muitas.
Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelas mulheres que jogam futebol?
Preconceito eu acho que há muito menos, hoje. As que iniciam ainda têm um pouco de preconceito da família. Mas na rua, como eu sofri, acho que diminuiu. Escutava cada uma. Hoje o maior problema é o descaso com essa modalidade…
Descaso de quem?
De federações, da confederação, de diretores, de empresas que patrocinam outros esportes menos conhecidos. Infelizmente é uma questão cultural. Falou em futebol, só vem à cabeça o futebol masculino, nunca se pensa no feminino. Precisamos ter essa quebra de gênero, masculino/feminino. Quando a menina nasce, ganha uma boneca, ela não tem oportunidade de escolher outro brinquedo. Isso gera conseqüências. Futebol masculino é a paixão brasileira. A mulher foi feita para pilotar fogão. Temos que quebrar essas barreiras e sofremos muito. De todas as modalidades, para mim, o futebol feminino talvez seja o mais desprezado. Você está vendo a bandeirinha Ana Paula sofrendo uma discriminação danada por ser mulher e ter errado no jogo do Botafogo. Ela errou, errou feio demais, mas por ela ser mulher acaba ficando pior ainda. Durante muito tempo ela provou que era uma excelente bandeirinha. Mas algumas atletas também não ajudam, porque acham que jogam futebol e têm que ser masculinas. Pende para o lado do homossexualismo e gera todo um preconceito a mais.
Mas isso existe de fato?
Existe, claro, como existe em qualquer outra modalidade, outra profissão. Até o técnico Leão foi à televisão e falou sobre isso, que quem se assume tem um preconceito e é capaz de não seguir a carreira. Mas em outros países é a coisa mais normal do mundo. Não adianta brigarmos por profissionalismo se nós mesmos não agimos como profissionais. A postura das atletas precisa melhorar. É fácil falar que as federações não ajudam, que as empresas não patrocinam, a mídia não põe no ar, mas também quem vai querer patrocinar uma modalidade assim? São muitos fatores que precisam ser mudados.
Como foi sua carreira?
Eu comecei no Saad. Em 1995 fui convocada pela primeira vez para a Seleção, com 15 anos. Depois fui para o São Paulo e fiquei lá de 1996 a 2000. É bom lembrar que foi o único clube em que eu tive carteira assinada. Fui registrada como monitora de futebol, porque futebol feminino não é profissional. Mas foi um clube que deu totais condições: tudo que o masculino tinha, nós também tínhamos.
E depois?
Em 2000 teve as Olimpíadas de Sydney e quando voltamos foi muita briga, muita confusão, e a mídia divulgou tudo. Aí o futebol feminino afundou, teve uma fase muito ruim. Acabei indo para o Vasco e fiquei um tempo lá. Em 2001 fui para o Corinthians. Depois, em 2002, deu uma parada total, eu voltei para o futebol de salão, que foi onde eu iniciei. Nesse ano, joguei pela Sabesp e em 2003 a Seleção Brasileira retornou, porque tinha o Sul-Americano, o Mundial, o Pan-Americano. Depois fui para um time de São Bernardo chamado Palestra Itália: as jogadoras eram as patrocinadoras, os pais ajudavam, a gente treinava, tinha um técnico e íamos para as competições. Em 2003 conquistamos o ouro nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo e em 2004 surgiu a oportunidade de ir para a Suécia.
Elas têm tradição no futebol feminino…
Elas têm um campeonato muito bem-estruturado, a Marta faz muito sucesso, ela é estrela lá. Foi a minha primeira vez fora e fui sozinha. Não sabia falar outra língua… A cultura deles é completamente diferente. Eles são frios, não são acolhedores. Fiquei uma semana chorando, ligava para o meu pai dizendo que queria vir embora, e ele dizia ‘você vai ficar aí, não me apareça em casa’. Fiquei uns seis meses lá, mas fui convocada para a Seleção que ia às Olimpíadas e voltei. Foi legal morar fora, um sonho de ter contratos altos, respeito, profissionalismo, que eles têm muito. Mas retornei e conquistamos a medalha de prata. Em 2006 recebi uma proposta para ir para os Estados Unidos, um contrato de abril a junho.Eu fui e disputei o campeonato.
E a volta?
Tive outras propostas, inclusive no exterior, mas desde fevereiro deste ano, estou na equipe do Jaguariúna. Além do futebol, eles têm um projeto social muito bom, chamado Gol de Menina, para meninas de rua. As que se destacam têm a possibilidade de jogar pelo time principal, um time ajudado pela FAJ (Faculdade de Jaguariúna), pela Motorola e pela Associação Jaguarinense de Atletas. É um time novo, que vem conquistando espaço a cada campeonato. Eu aceitei pelo projeto do futebol feminino, que não vai desaparecer sem mais nem menos. É um desafio novo, uma equipe considerada nova potência no futebol feminino.
Como você se contundiu?
Me machuquei num treino contra o Paulista, masculino, que sempre encaram a gente como se não soubéssemos jogar nada. Então eu quis fazer umas graças para eles verem quem éramos e dei um chapéu dentro da área. Quando fui dominar a bola, o menino me deu um tranco e eu caí com a ponta do pé no chão, o joelho girou e rompeu o ligamento cruzado, tive que operar. Dois dias depois fui convocada para a Seleção.
E como ficou sua situação?
Nós conversamos muito, mas foi uma decisão minha não ir. Meu joelho talvez não pudesse render 100% e, de uma coisa pequena, eu podia estourar o joelho inteiro e ficar bem pior lá na frente. Achei melhor operar, ficar fora do Pan. Sofri muito mas agora tenho que pensar na recuperação.
Como fica a parte de dinheiro nisso tudo?
Eu, graças a Deus, tenho meu paitrocínio. Hoje, eu não teria condições de viver sozinha. Sou quase independente. Tudo que eu tenho eu consegui através do futebol: meu carro, pagar minhas contas – e eu junto dinheiro há muito tempo, mas ainda não tenho uma casa própria.
E dá para ter namorado com essa vida?
Em época de treinamento é difícil. Lá em Jaguariúna eu treino a semana inteira e jogo no final de semana. Não saio à noite, não posso sair às sextas, sábados… E para ter um namorado é preciso conciliar todas essas coisas. Como eu sempre sonhei em jogar futebol, nunca quis me apegar a ninguém. Foco no meu objetivo. É como meu pai fala, as coisas acontecem. Também quero ter minha família, ser mãe. Daqui a dois anos eu penso em parar de jogar.
Você vai ser comentarista no Pan?
Recebi propostas da Record e da Bandeirantes logo que me machuquei. Acabei ficando com a Band. Eu e um grupo de atletas estamos fazendo uma espécie de treinamento para nos familiarizarmos com as câmeras. Fiquei muito feliz e também porque vou acompanhar as meninas, ver treinamento, fazer mais bastidores.
E para terminar…
Perdi minha mãe muito cedo e aqui em casa a gente tem laços muito fortes. Por mais que o futebol seja minha paixão, eles são a minha base. A vida não é só profissional, jogar futebol, ganhar dinheiro, mas aqui estou ao lado de quem eu gosto. Eu me considero uma pessoa rica, tenho uma boa família…

COMPARTILHE
Próximo artigoGente 296

SEM COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA