Amor pela educação

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Em entrevista exclusiva, Luiz Barco, que é lapeano há mais de 40 anos, fala sobre a educação atual e os desafios de ser um professor hoje no Brasil. Acompanhe.

Ele é mais do que um professor… é um verdadeiro MESTRE, que respira educação e ama estar numa sala de aula, ensinando seus novos e não tão novos alunos. Seu currículo engloba mestrado em Matemática e doutorado em Ciências da Comunicação pela USP, além das famosas teleaulas transmitidas pela Rede Globo e dos mais de 200 artigos sobre curiosidades matemáticas publicados na revista Superinteressante. Hoje, após ter dado aulas em diferentes faculdades da USP, entre as quais a ECA, e somando 75 anos de vida, Luiz Barco continua ativo, dando aulas na Poli e em faculdades da área de saúde da Unicamp, cheio de planos, projetos e novas ideias, como todo bom educador deveria ser.

Como está a educação atual no Brasil?
Em minha opinião, a concepção ocidental de educação é extremamente frágil, e no Brasil especialmente ruim. Essas teorias de aprendizagem, como Piaget, Montessori, Freinet, que modéstia à parte conheço muito bem, desenvolveram aprendizagens que mais se assemelham a adestramentos. É o mesmo processo que se usa para adestrar um cão. Ele é adestrado para não sofrer punição e ganhar recompensa, assim como a educação brasileira, que adestra as pessoas, pois não ensina. As crianças na escola não conseguem entender a gênese dos problemas propostos. Elas aprendem apenas a decorar fórmulas, datas, eventos… Não sou contra nenhum desses gênios, só acho que essas teorias são falhas.

Qual seria uma provável solução?
Kieran Egan escreveu o livro A Mente Educada, no qual fala sobre “níveis de compreensão”. Eu sempre disse que o dia em que a escola formal substituir a besteira das teorias de aprendizagem e passar a desenvolver com as crianças os níveis de compreensão, boa parte de nossas contradições desaparecem. Temos de reconstruir um currículo escolar baseado na compreensão. E diria mais: a educação atual consegue formar bons engenheiros, jornalistas, médicos, físicos, biólogos, poetas, artistas, mas não consegue ainda formar “gente”. O grande defeito é que nós guardamos a escola para formar “gente” na universidade. E quem chega à universidade, se ainda não for “gente”, nunca mais será. É esse que leva vantagem no trânsito, não devolve o troco…

Quando começamos a formar “gente”?
“Gente” começa a ser formada no útero e logo em seguida na escola de primeira infância. Um país que não cuida dessas escolas, como o nosso, é um país pobre! Nosso exemplo aqui no bairro é incrível. A escola primária “Professora Luiza Lopes de Oliveira”, conhecida por “Segundinho”, onde minha esposa, Maria Guilhermina Barco, lecionava português, foi fechada pela secretária da educação, Rose Neubauer, acadêmica de educação, como eu. E no lugar foi criado um posto policial. O que dizer de um governo que fecha uma escola primária para montar um posto de polícia? Respondo apenas que, brevemente, se isso continuar, esse mesmo governo terá de parar de construir universidades e começar a construir prisões de alta segurança e, mesmo assim, não conseguirá deter tamanha violência. Recentemente, saiu uma reportagem delatando que a governadora do Maranhão estava licitando “navios” de lagostas para abastecer os palácios maranhenses, enquanto as prisões mais porcas do mundo (que pensávamos estar na Arábia), estão localizadas no Estado que ela governa. É esse povo que deveria estar preso! Digo que a alta periculosidade está no governo brasileiro e em seus asseclas, que permitem que nossa sociedade viva pobremente, sem escolas, hospitais, estradas decentes e seja governada por pessoas sem qualificação.

Temos alguma saída para a corrupção?
A solução seria a sociedade melhorar e a escola começar a formar cidadãos. Um país onde há educação forte, só um atrevido tenta ser corrupto e não consegue. Agora num país onde desde criança aprende-se a necessidade de se levar vantagem… a gente mete o pau nos senadores, mas a única diferença entre eles e nós é que eles montaram uma caixa um pouco mais farta que a nossa. Quando alguém acha dinheiro e devolve, a mídia faz balbúrdia e tem gente que ainda taxa essa pessoa de tonto. Ouvi isso de um aluno, e que tipo de profissional ele será? Alguém que sempre levará vantagens, que não se compadecerá com a dor alheia, que não devolverá o troco se houver oportunidade… Ficamos pensando num  gênio que empunhasse sua varinha e arrumasse tudo. Infelizmente, esse gênio não existe, mas um pedacinho dele está dentro de mim, de você, de todos nós. Temos de deixá-lo vir à tona… 

Quais seriam esses exemplos?
Pessoas comuns, como os indianos, que mesmo vivendo naquela miséria, desenvolvem assuntos de algoritmia e matemática muito bem. Creio que alguma coisa acontece com eles. Não sei se é a água do Ganges, se é a fome… (risos). Outro bom exemplo é Ken Robinson, um inglês que é palestrante e consultor internacional em educação. Ele contesta o sistema educacional atual dizendo que ele inibe as habilidades pessoais e a criatividade. E que, na verdade, não é mais genial que um brasileiro do Amapá [o bombeiro Elias Sampaio, mentor da Orquestra Quilombola do Curiaú] que desenvolveu um projeto para ensinar Vivaldi e Bach para crianças carentes e hoje quer espalhar essa ideia para outras partes daquele Estado…

Como deveria ser a escola ideal?
Deveria ser lúdica, gostosa, prazerosa. Roubaram o prazer de se ir à escola. Hoje, ela é sinônimo de instituto correcional… é uma obrigação pesada demais para as crianças. Tínhamos de implantar um pouco de felicidade com artes, música, dança, pintura, sem tantas regras e cobranças. Hoje, até o lazer virou chatice com tantas escolinhas de tudo. É preciso pensar mais na criança, tanto nas talentosas quanto nas medianas, da mesma forma, e ensinar prazerosamente, dando suporte para seu aprendizado e construindo com ela o conhecimento. Certa vez, a revista Newsweek resolveu fazer uma pesquisa sobre qual seria a melhor escola do planeta. Chamaram especialistas, fizeram uma lista e a campeã foi uma escola primária de uma região da Itália chamada Reggio Emilia, destruída pela guerra. Tal como um antigo projeto educacional denominado Sol, da cidade de Paulínia (onde de uma parte central da escola saíam corredores que levavam a unidades de artes), a escola italiana não tinha salas de aula, mas sim ateliês, cultura, vivência e participação da comunidade… são exemplos vivos de que a melhor escola do mundo não precisa de salas formais e de regras rígidas, mas sim de arte, interação e boa vontade.

Qual seria o perfil do professor ideal?
O bom professor morre professor. Quando ele é ruim, vira chefe de departamento. Quando é péssimo, vira diretor. E quando não tem o menor jeito pra dar aula, vira reitor ou ministro da Educação. O bom professor tem de amar o que faz, gostar de alunos, de questionamentos, da sala de aula. Eu, que sou professor universitário, não ganho muito para ensinar equações diferenciais, pois sou filho de uma empregada doméstica e cheguei até longe demais…, mas seria preciso que a professora que alfabetiza o meu neto, por exemplo, ganhasse o que eu ganho para ensinar na escola de primeira infância. O professor primário no Brasil ganha coisa de indigente atualmente! Então ele precisa dar aulas em cinco, seis lugares para ter um salário mais digno. Ele tem de se desdobrar e, por isso, não conhece seus alunos, não ama o que faz. Se trocar de livro didático, não sabe mais dar aula, porque conhece mal e porcamente aqueles exercícios. É preciso treino, dedicação e amor ao que faz. 

Como lidar com a geração do rolezinho?
Eles são brasileiros que não entenderam o que foi ensinado, assim como seus professores, que também não entenderam… Mas pior que essa geração do rolezinho é o nosso senado, nossos governos, enfim, a nossa massa política. 

E sua relação com o bairro?
Nasci em Itararé em 1939, vim pra cá bem jovem estudar e tenho uma ligação curiosa com o bairro. Morei na rua Iperoig, na Passos da Pátria e depois nesta casa da Lapa desde os anos de 1970. Para mim, é uma região fantástica, perto da USP, onde dou aulas, onde meus filhos cresceram. 

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