Na luta pela igualdade

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O professor Eduardo de Oliveira dedica sua vida à causa da igualdade racial. Aos 80 anos de idade, o poeta, autor de mais de dez livros, e fundador do Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB), entidade de caráter beneficente sem fins lucrativos, criada em comemoração a imortalidade de Zumbi dos Palmares e que atua não só no combate ao racismo, mas na promoção dos valores legados ao Brasil como contribuição dos afros-descendentes, acaba de gravar seu primeiro CD, composto pelo “Hino à Negritude” e “Ave Maria Cabocla”, com letra e música de sua autoria.
No mês em que é celebrado o Dia Internacional de Combate ao Racismo e à Discriminação Racial, 13 de maio, nada mais pertinente do que esta entrevista com o professor Eduardo, queu também é membro titular do Conselho da Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial. Confira!

Como atua o CNAB?
A entidade cresceu e se espalhou por boa parte do Brasil. Hoje, possui sede em 21 estados e trabalhamos com nossas co-irmãs apoiando e participando dos seus programas que se espalham por todo o País. A comunidade negra no Brasil representa, nada mais, nada menos, do que 50% do seu contingente humano, demograficamente falando. Essa população tem as suas carências, suas necessidades, sofreu muito por causa do racismo, por causa do tratamento desigual dado a seus descendentes, a sua cultura. Buscamos a igualdade ideal, que serve de base a esse País democrático, humanitário, que o Brasil pretende ser mas que ainda está longe de alcançar.

Que tipo de projetos a ong desenvolve?
Desenvolvemos vários projetos e um deles é o projeto de combate à anemia falciforme, que é uma doença que atinge de uma forma brutal as pessoas de raça negra. De cada 100 doentes, 60 deles são de descendência negra. Também temos programas de cultura, publicação de livros como o “Quem é Quem na Negritude Brasileira”, obra inédita contendo 578 biografias de afro-descendentes que se destacaram no cenário nacional. É a primeira enciclopédia que trata o negro e os seus valores de uma forma específica; são pessoas que de uma forma ou de outra conseguiram sair do anonimato e projetaram seus nomes nas várias áreas do saber e por aí afora.

Na Lapa a ONG trabalha de que maneira?
Fazemos várias parcerias com instituições da região. Nossos programas extrapolam os limites da Lapa, mas a Lapa está sempre em foco. Promovemos cursos em colégios do bairro, por exemplo, com o objetivo de proporcionar o ingresso dos elementos de origem afro-descendentes nas universidades, onde a presença negra no corpo discente é escandalosamente baixa. Estamos revertendo isso.

Como o senhor vê a questão das cotas para negros nas universidades?
As cotas são bem-vindas e necessárias. A única coisa que podemos questionar é que não devem ser perpétuas. Elas representam, neste momento, que a relação entre negros e brancos é altamente desigual. As estatísticas, as informações, os dados das pesquisas realizadas pelos órgãos mais qualificados mostram isso. É justo que se faça alguma coisa concreta para que essa desigualdade desapareça. Isso é fundamental para que o Brasil seja digno de contar mais tarde que é uma nação democrática. Porque, por enquanto, infelizmente, ele não é um País democrático por causa dessa herança sombria, tenebrosa, que foi herdada da escravidão que perdurou durante 400 anos. Por isso as cotas são absolutamente necessárias. É uma questão de justiça. O negro tem direito a essa retribuição.

Como foi a criação do CD?
O CD é de minha autoria e foi registrado na antiga escola de música da Universidade do Brasil. A música demorou 60 anos para ser feita porque na medida em que incorporávamos a consciência a respeito da negritude brasileira, revelávamos coisas novas, vimos que era mais simbólico produzir uma gesta lírica desta magnitude. Então foi surgindo aos poucos. O CD ainda será lançado em algumas cidades.

O que é mais estimulante na luta pela igualdade racial?
Vemos que todos nós somos orgulhosos de sermos brasileiros. O Brasil também é nosso. Nós o construímos ao lado de outros povos. Com essa consciência, com essa clareza das nossas condições, achamos que temos que estar presentes nesse momento grandioso, porque estamos removendo a resistência histórica. Então, é um avanço discutir se o negro entra ou não entra na universidade, e está se criando condições para que ele possa entrar. Até pouco tempo era como se o negro não existisse.

Mas ainda há muito a se fazer quanto à questão da renda, da moradia, por exemplo. Pesquisas dizem que o número de negros morando na periferia das grandes cidades é muito maior do que de brancos. O que se pode fazer a respeito?
Exatamente. Na medida em que você vai saindo para o centro da civilização brasileira, vê-se que ela vai se embranquecendo. O ápice da pirâmide social é belga, germânico, sueco, irlandês, norueguês… E a base da pirâmide é toda negra. Hoje, realmente, a injustiça é um fato concreto. Em trabalhos iguais, o branco ganha mais do que o negro, assim como o negro ganha mais do que a mulher. E em trabalhos iguais a mulher branca ganha mais do que a negra. Algumas instituições empresariais estão preocupadas com a responsabilidade social, estão procurando dar oportunidade aos negros. Até a publicidade está mais permeada com a presença negra.

Como reverter este quadro? Por meio da educação?
A educação é um fator fundamental. Mas enquanto isso não acontece, por questão de estrutura, de formação de quadros de professores, de recursos financeiros e cotas orçamentárias para a educação, o Estado tem cada vez mais dificuldades de destinar recursos para este fim. Como quem depende da instituição pública é o pobre, e entre os negros pobres são cerca de 90%, então é uma forma de excluir.

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