A voz da escola

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A voz da escola

Paulistana e lapeana de nascimento, Maria Bernadete Raimundo é uma cantora que tem sua carreira ligada às escolas de samba, entre elas, a Império Lapeano, que ajudou a fundar em 1974. Ela é a primeira intérprete de uma escola de samba. Atualmente, é intérprete da Unidos do Peruche, do Grupo de Acesso, da Dom Bosco de Itaquera, do Grupo 1 da UESP, e de escolas do interior. Mas continua a frequentar os ensaios e a quadra da Império onde foi realizada a entrevista. Aqui, ela fala da origem da Império, sua carreira como cantora e do bloco carnavalesco “A Lapa Somos Nóis” que vai sair mais uma vez pelas ruas da Lapa no próximo dia 11 de fevereiro.

Conte um pouco sobre você.
Sou paulistana e morei por muitos anos no Alto da Lapa, perto do cemitério. Meus avós e meus pais gostavam e participavam de rodas de samba. Fui criada no meio do samba. Hoje, moro em Osasco, mas continuo a frequentar a Império Lapeano que ajudei a fundar em 1974.

Como surgiu a Império Lapeano?
Sempre nos reuníamos para sambar na época do carnaval pela região da Lapa. Um dia, resolvemos fundar uma escola e em abril de 1974 surgia a Império. O nome foi escolhido por votação direta entre muitos nomes sugeridos. O grosso dos integrantes da escola era gente do Morro do Querosene e de uma favela que existia onde hoje está o barracão da Império Lapeano. Aqui, fui diretora social e intérprete desde os início. E sou uma das compositoras do primeiro samba-enredo da Império Lapeano. Nós falamos da História do Brasil, da chegada de Cabral com o Carnaval da Império. Foi muito marcante para mim este desfile.

Como é o dia a dia de uma escola pequena?
Uma escola com poucos recursos como a Império, se comparadas com as maiores e mais ricas, tem uma grande diferença. Na Império, desfila quem gosta mesmo da escola. Nas maiores, muita gente desfila porque a TV Globo faz a cobertura. A receita dos eventos que a escola promove é pouco para custear o desfile do ano. Felizmente na Império temos gente como a Luizinha, a presidente, e outras pessoas que se dedicam de corpo e alma à escola. O desfile acontece graças à essas pessoas que trabalham, e muito, para a escola sair. Faltam patrocinadores e padrinhos. E não é barato fazer um Carnaval em SP.

Sempre quis ser cantora?
Sempre gostei de cantar. Desde criança cantava em casa, nas festas da família, aonde desse. Não sabia como e que iria viver de música e virar cantora. Não foi fácil chegar até aqui. Na época do do Carnaval tenho pouco tempo para fazer shows. Mas sempre que aparece um convite, não importa aonde, vou com muito prazer.

Por que você deixou de ser intérprete da Império Lapeano?
Por motivos profissionais. Aqui em São Paulo, sou Império Lapeano e sempre cantei sem cobrar. Mas vivo disso e outras escolas me contrataram para cantar. Como ficou difícil conciliar, deixei de ser a intérprete da Império, mas não deixei de gostar da escola.
 
Que outras escolas você canta?
Em 1990, fui contratada pela Unidos do Peruche e fiquei lá por vários anos. Saí e voltei em 2005 e estou lá até hoje. Eu e mais cinco cantores cantamos o samba-enredo da escola. Fui contratada pela Peruche para cantar nos ensaios e auxiliar a Eliana de Lima, que era a intérprete oficial da escola.

E como você se tornou uma das intérpretes oficiais?
A Eliana estava grávida e a filha dela nasceria depois do desfile. Só que a menina resolveu nascer antes. Eu sempre falo para a Eliana que a filha dela é meu anjo da guarda.

Como foi sua estreia no Sambódromo pela Peruche?
Na noite anterior, eu cantei pela Império Lapeano. Fui eu quem inaugurou o Sambódromo. Foi lindo ver aquele espaço e a multidão nas arquibancadas. No dia seguinte seria o desfile da Peruche, mas a Eliana é que era a intérprete oficial. Mas acontece que a Eliana, por causa do nascimento da filha, não pode desfilar e a Peruche ficou sem intérprete. Quando cheguei na Peruche, a diretoria já havia decidido que eu seria a substituta da Eliana. As pernas tremeram e eu não queria essa responsabilidade. Mas o pessoal insistiu, me deu muita força e foi assim que virei intérprete de uma escola grande. A escola estava linda e tudo correu tudo bem, felizmente.

Ser pioneira não é novidade para você…
Pois é. No ano passado, mais uma vez, fui a primeira sambista paulistana a ser homenageada no Rio de Janeiro pelo Zeca Pagodinho. Foi muito emocionante receber este reconhecimento de gente do samba e do Rio de Janeiro. Mas fui a primeira, novamente.

Qual a diferença entre puxadora de samba e intérprete?
No início o pessoal que cantava o samba na avenida era chamado de puxador. Aí, o Jamelão, da Mangueira, reclamou e disse que puxador era quem puxava alguma coisa que não era o caso dele. A partir daí passamos a ser intérpretes. Nós interpretamos o samba-enredo.

Você se inspirou em quem?
Sempre tive respeito pelos outros intérpretes, mas não me espelhei em nenhum deles. Também por não ter, até então, uma mulher no comando do microfone no Sambódromo. Sou a primeira a fazer isso em uma escola de samba em São Paulo. Mas como a Império é uma escola pequena, pouca gente, fora o pessoal do samba, sabe disso.

Como é a sua preparação para estar 100% na hora do desfile?
Na semana do desfile, os ensaios terminam uns dias antes. Neste período eu cuido da garganta, não tomo nada gelado. Não faço nada especial, mas tenho de estar com a voz em ordem para aguentar o desfile com chuva, frio ou calor. Afinal, a gente se prepara o ano todo para o desfile e tenho de estar OK.

Como é a relação da Império com os moradores da Vila Leopoldina?
Hoje, a Leopoldina tem um grande número de prédios sendo erguidos e muitos deles ficam aqui ao lado da escola. Acho que o pessoal mais velho gosta da gente e tem muitos deles que vêm aos ensaios da escola. Acho que os mais jovens é que não gostam muito da escola e sempre reclamam que a gente faz muito barulho e coisas assim… Fizeram abaixo-assinados pedindo para a escola sair daqui. Mas vamos para onde? Nós estamos aqui antes deles. Carnaval é cultura popular e a Império, assim como as outras escolas, tem trabalho social com as comunidades mais carentes e muita gente não sabe disso. No Dia das Crianças e no Natal, entregamos sacolas para o pessoal mais carente.

É preconceito contra a escola?
Sempre convidamos os nossos vizinhos para vir aos ensaios e conhecer a nossa escola. Acho que eles pensam que aqui tem gente perigosa. Aqui é uma grande família. Eu não frequentaria se fosse perigoso. Há um preconceito que precisa acabar. Por isso renovo o convite para que venham assistir a um ensaio, ou venham à uma das feijoadas que promovemos aqui e tenho certeza que eles vão mudar de opinião.

E sua ligação com o bloco A Lapa Somos Nóis?
É um bloco querido fundado pelo Décio Ferreira e pelo José Bonelli, que morreu no ano passado, infelizmente. Ele sempre saiu pelas ruas da Lapa no dia do aniversário de São Paulo, 25 de janeiro. Sempre participei como uma das intérpretes. Este ano, ele vai sair no dia 11 de fevereiro aqui no Anastácio. É muito importante manter a tradição do bloco de rua e convido o povo para comparecer e se divertir.

O que é preciso para ser uma boa intérprete?
Gostar do samba da escola e ter uma sintonia com a escola. Nas escola que cantei e canto, a comunidade me respeita e apoia meu trabalho.

E sua carreira de cantora?
Tenho CD gravado e até LP. Faço muitos shows pela Capital e também pelo interior e outras cidades. Meu repertório tem MPB, samba, música romântica e outros gêneros. Sempre que me convidam, lá vou eu e com muita disposição e alegria. Essa é a minha vida!

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