O planeta do futuro

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O planeta do futuro

Para a entrevista da edição de junho, o Guia DAQUI conversou com Gina Rispah Bensen, psicóloga, ambientalista e doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Com vários artigos sobre os temas meio ambiente e sustentabilidade, Rispah é responsável pela coordenação de programas do Instituto 5 Elementos e fala um pouco das novas resoluções que envolvem programas de coleta seletiva e a redução de consumo.

Quais são as principais medidas de adaptação que a população, no geral, deverá se adequar?
A aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em agosto de 2010, colocou um desafio para todos os municípios brasileiros: reduzir a quantidade de resíduos que a gente está gerando, sejam eles orgânicos, que são as sobras de comida, ou os resíduos secos, que são aqueles que a gente chama de recicláveis. A política coloca alguns desafios concretos para todos os setores envolvidos na cadeia produtiva da reciclagem e da sociedade, desde a indústria até os transportadores, os distribuidores, os comerciantes e nós, cidadãos. Não adianta apenas ter um espaço para enterrar os resíduos, o problema não é esse. O problema é que para a sustentabilidade planetária e para que melhoremos a nossa qualidade de vida, é preciso reduzir a quantidade do que consumimos e evitarmos o desperdício. E como é que se faz isso? Tendo um consumo que a gente chama de sustentável, ou com mais qualidade. Não quer dizer que você não pode consumir porque precisamos consumir para viver, mas é preciso perceber o que consumimos e parar para pensar, “será que nós precisamos de tudo aquilo que consumimos?”

Então é um trabalho de conscientização?
É um trabalho de sensibilização de todo cidadão, o que já vem acontecendo ao longo de todos esses anos. Qual é a diferença de consumo sustentável e coleta seletiva? As pessoas no geral acham que, se elas separaram o seu resíduo em casa para a coleta seletiva, elas já fizeram a sua parte para melhorar o meio ambiente. A questão é muito mais profunda, muito mais ampla, implica em mudanças de padrões mesmo, tanto da produção da indústria que vai ter que produzir, a partir da lei, produtos que considerem todo o ciclo de vida do produto, desde que ele é extraído até a hora que acaba a vida dele. E isso tem que ser feito de uma forma com menos impacto ao meio ambiente, do inicio até o final da cadeia produtiva dos produtos e tem que incluir também a quantidade do consumo e da qualidade. Para o cidadão significa mudar hábitos de consumo, desde as suas compras até o sua forma de descartar produtos e embalagens.

Como seria isso na prática?
Na prática isso significa planejar bem as compras para que não sobre alimentos para não ter que jogar fora. Estar atento para a data de validade desses produtos, não gerar resíduos desnecessários. É não desperdiçar. Colocar a quantidade adequada de comida no prato para não jogar comida fora, porque o que constatamos é que o nosso lixo, o que é produzido no Brasil, tem 60% de matéria orgânica. É um teor muito alto e o que é toda essa matéria orgânica? É na maior parte desperdício de alimento! Então tem que aprender a reaproveitar os alimentos, usar os talos, o que chamamos de uma alimentação mais saudável, uma alimentação mais equilibrada no que se refere aos orgânicos.

Mas essas questões ainda estão no início. Como vamos aprofundar essa questão, efetivamente?
Assim como levou 20 anos para as pessoas saberem o que é a coleta seletiva, que temos que separar os resíduos, e mesmo assim grande parte das pessoas ainda não sabe e não tem essa consciência, a questão do consumo é ainda mais profunda, porque ela implica na cultura da pessoa. Mudar hábitos de consumo é um longo processo de sensibilização e precisamos de muitos investimentos nesse sentido, de recursos financeiros para desenvolver cursos, campanhas e atividades e formar pessoas que trabalhem com esses temas.

Nos anos 1980 este assunto era muito fomentado com um apelo do naturismo, tinha ideia de cuidar do planeta, era uma coisa falada, mas pouco aprofundada. Era uma questão de marketing?
Eu não diria que era marketing, mas desde a ECO 92, quando tivemos o encontro no qual se reuniram os chefes de Estado e se deram conta da gravidade da crise ambiental, e agora teremos o RIO+20, a Agenda 21 já colocava em questão a quantidade e periculosidade de resíduos gerados. Sabemos há mais de 20 anos que extraímos mais do que o planeta tem condições de nos oferecer e que isso esta reduzindo a capacidade do ecossistema que nos fornece a água, a floresta, que fornece todos os insumos para a gente ter os nossos bens materiais, a nossa casa, o nosso carro. Na Eco 92 já se colocava todas essas questões, então é muito difícil trabalhar com as mudanças de padrões de consumo das pessoas, mas é possível e necessário.

E depois que ele consome, ele faz o descarte e separa, leva na estação próxima de sua casa e já considera que está fazendo a sua parte, colaborando com eficiência para a sustentabilidade.
Muitas pessoas consideram que, separando os resíduos em casa e entregando para a coleta seletiva, fazem a sua parte, não importando se está produzindo 2 quilos por dia de resíduos. Mas o que estamos dizendo é que não dá para produzir dois quilos de resíduos por pessoa no mundo, é insustentável. Está muito claro, o Planeta tem limites, nós já ultrapassamos esses limites. Tem gente que está consumindo demais – 80% da população consome 20% dos recursos naturais e, 20% consome 80% desses recursos – então, é também uma questão de distribuição, há um desnível enorme e há pobreza. A maioria consome pouco e poucos consomem muito. Um bilhão de pessoas no mundo passando fome e tantos alimentos sendo desperdiçados de várias formas. Qual é a nossa responsabilidade? Com relação ao resíduo, as pessoas não têm tanto esse impacto porque, em geral, o resíduo é levado para longe dos olhos de todo mundo e é enterrado. “Na hora que eu coloquei esse lixo na porta, eu me livrei”. Mas agora a política está dizendo: “olha, você não se livrou, tem que separar direitinho e todo cidadão e todo município terá que ter o seu Plano de Resíduos e vai ter que reduzir (o consumo)”. Porque, a partir de 2014, só poderá ser enterrado o rejeito. O rejeito é mais ou menos de 20 a 30% do que descartamos. No caso da cidade de São Paulo, que tem uma geração de 11 mil toneladas todos os dias de resíduos coletados nas casas e aterrados e que a partir de 2014 só poderá enterrar 30% disso, como é que vamos reduzir? Tem que ter um trabalho intenso de conscientização de toda a população. É um esforço coletivo, e se a prefeitura tiver coleta seletiva e não separar seus resíduos, ou um determinado produto tiver que ser devolvido e for descartado, a lei diz que o cidadão poderá ser multado.

Tem um quadro da situação? Já dá para saber como está isso atualmente?
Alguns sistemas de devolução já funcionam, como os de celulares, recolhimento de pneus, de embalagens de agrotóxicos. Isso já está acontecendo, não é uma coisa tão nova. A novidade é que passa a ser uma obrigação por lei, haverá um acordo setorial. Mas antevendo tudo isso e de alguma forma a indústria começa a perceber que algumas ações dão lucro. A Coca-Cola, por exemplo, voltou para a embalagem retornável. O cidadão tem um grande poder que às vezes desconhece: o poder de compra. A sociedade vai criando necessidades e a indústria vende o que a gente quer. A sustentabilidade começa a fazer parte dos processos de produção e é um fator competitivo para a venda de produtos e serviços. Aproveitamento de água, energia, resíduos, uso de papel reciclado, impressão e cópias frente e verso, refios, cartuchos de impressora recarregáveis, dentre muitos outros. Mas ainda temos muito a evoluir nesse sentido.

Quando vimos o prazo para toda a mudança que a lei impõe, você não acha que 2014 está muito próximo e não há tempo suficiente para implementar as novas diretrizes?
Cumprir a lei nacional não é fácil, pois ela tem metas ambiciosas e coloca grandes desafios para cada bairro e para cada região. A lei é para todos, mas as mudanças se dão no município, se dão no território. A nossa proposta é estar na nossa região identificando e fazendo um diagnóstico de como está a gestão dos resíduos, quanto produz a nossa região, quais são as áreas que têm e que não têm a coleta seletiva, quais são as entidades que já estão trabalhando com educação para o consumo e que já tenham projetos. Na região existem cooperativas de catadores, ONGs que trabalham com educação ambiental, universidades, agentes comunitários de saúde, tem a subprefeitura. É importante saber quais as estratégias que serão usadas na nossa região, os principais atores que trabalham aqui, os agentes sociais e representações comunitárias, empresariais, e como se articula tudo isso para fazer um grande trabalho de sensibilização e começar a estabelecer algumas metas. Por exemplo, como se leva a informação para as pessoas para que elas possam reduzir, compostar o seu resíduo domiciliar, principalmente por aqui que ainda é uma região que tem muitas casas. É preciso articular e mobilizar os vários setores, público, privado, sociedade civil aqui da região para, efetivamente, reduzir e até gerar mais trabalho e renda porque, quanto mais material reciclável, mais se gera trabalho para os catadores, gera adubo que pode ser usado nas praças ou para fazer uma horta. Como fazer as pessoas voltarem a ter uma relação com a natureza, é esse o nosso desafio. Como trabalhar uma agricultura mais urbana, uma horta, um adubo para as plantas de casa. Enfim, a mensagem que eu deixo é que no Brasil não existe mais lixo, existe resíduos que podem ser reduzidos, valorizados, reaproveitados e reciclados e isso é sustentabilidade e começa pela nossa casa, nosso bairro e nossa região e depende de todos nós.

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