Apaixonado pela revolução de 32

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Professor José Carlos Barros Lima

Entre julho e outubro de 1932, o Brasil viveu um dos momentos mais dramáticos de sua história. De um lado, o governo provisório de Getúlio Vargas quebrava um acordo ao não convocar a assembléia constitucionalista e do outro lado, a oligarquia paulista exigia uma nova constituição. Ao completar 80 anos, o movimento ganha novas interpretações. 

Para falar sobre o movimento constitucionalista de 1932, entrevistamos o professor José Carlos Barros Lima, diretor-geral do Colégio Santo Ivo. Ele criou e mantém desde 2006, o Centro de Memória e Estudos da Revolução Constitucionalista de 1932 – Núcleo Oeste Lapa que reúne um acervo muito importante com uniformes, peças de artilharia, objetos pessoais que os soldados usavam no front, recortes e outros documentos importantes relativos a este evento. Aqui, ele fala da participação dos moradores da Lapa no episódio entre outros assuntos que vale a pena conhecer.

Como o senhor define o movimento?
A Revolução de 1932, ou Movimento como prefiro, foi o maior conflito armado que o Brasil já teve.

Que fatos contribuíram para a eclosão destes combates?
Em 1929, houve uma eleição para suceder o presidente Washington Luiz que fez um governo extraordinário. Nessa ocasião, Getúlio Vargas, foi candidato da oposição e Washington Luiz apoiou Julio Prestes, que então era governador de São Paulo. Getúlio tinha sido ministro da fazenda do Washington Luiz. Julio Prestes ganhou as eleições e faltando um mês para a posse, Getúlio inconformado por não ter sido eleito, conseguiu impugnar a eleição e destituir o presidente Washington Luiz. Mas a eleição foi correta, dentro das leis. Na época, o que estava errado era a constituição de 1891 que vigorava. Ela foi escrita logo após a proclamação da República, em 1889. Aliás, a nossa constituição foi feita com base na constituição dos Estados Unidos. Só que entre os anos de 1891 e 1930, o Brasil mudou muito e pedia uma nova constituição.

Quem eram os eleitores que votavam naquela época?
Cerca de 15% da população. As mulheres, os analfabetos e os militares não votavam. Convém lembrar que 70% da população naquela época era analfabeta. Tínhamos dois partidos políticos, o Partido Republicano Paulista (PRP) que representava os cafeicultores e o Partido Democrático que Getúlio estava ligado e era presidido pelo professor de direito Francisco Morato. O pessoal do PD era formado por professores de direito, entre eles, meu pai, embora meu avô, que era fazendeiro, pertencia ao PRP. Foi nessa época que surgiu o movimento chamado Aliança Liberal que uniu o PRP com o PD.

Qual foi o acordo entre os partidos?
O trato era que o grupo de Getúlio Vargas depois de destituir Washington Luiz, seria empossado como governo provisório e teria a duração de no máximo seis meses quando então seria convocada uma Assembleia Constituinte para redigir uma nova constituição. 

E quando acontece a ruptura de São Paulo contra Getúlio Vargas?
Getúlio dizia que queria a constituinte, mas eu tenho dúvidas. Acho que ele ficou refém dos tenentes que faziam parte do governo dele. Getúlio nomeou como interventor do estado de São Paulo, o tenente João Alberto Lins de Barros, que era pernambucano. As medidas que o João Alberto tomou quando assumiu o governo de São Paulo desagradou aos paulistas.

Outros estados também se rebelaram contra Getúlio Vargas?
Sim, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Mato Grosso queriam uma nova constituição que Getúlio Vargas adiava. Mas São Paulo acabou ficando sozinho. 

Seu pai participou de todos esses eventos de 1932?
Em uma carta enviada para o pai dele, relatava que no dia 23 de maio de 1932, foram mortos quatro estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, Euclides Miragaia, Mário Martins, Dráuzio Marcondes e Antônio Camargo, depois transformados na sigla MMDC. Ele não se envolveu diretamente nas batalhas, mas como ele tinha automóvel, levava mensagens para os paulistas. Lembro que ele, promotor de justiça, só podia transitar mediante um salvo-conduto. Mais tarde, ele se candidatou e fez parte da assembleia constituinte que redigiu a constituição de 1934.

Quando o senhor se interessou pelo tema?
Em 2004, o coronel da PM Nakaharada fez uma comemoração pela passagem da data aqui no bairro. Na ocasião, ele me contou que tinha dificuldade em reunir documentos e objetos daquela época. Ele queria saber qual foi a participação de cada bairro da cidade no evento, embora os combates não tenham acontecido na cidade. Ele sugeriu que nós criássemos aqui na Lapa um núcleo da Sociedade dos Veteranos de 32. Aceitamos a ideia e criamos em 2005, o núcleo Lapa, que hoje é denominado Oeste-Lapa. A partir daí recebemos muitas doações de famílias de veteranos, inclusive de dois ex-combatentes da nossa região. O que eu queria era criar um acervo para facilitar o estudo dos documentos e material daquela época. Quando eu comecei a pesquisar, vi que muita coisa que se falou do movimento não estava de acordo. Diziam que São Paulo queria se separar do Brasil. Não foi isso que aconteceu. 

Como está dividido o acervo do Centro de Memória e Estudos da Revolução Constitucionalista de 1932 – Núcleo Oeste Lapa?
Transformamos o almoxarifado do Colégio Santo Ivo no Centro de Memória depois de uma reforma completa. Em uma sala temos parte do acervo que pertence e vai voltar ao Memorial do Ibirapuera, quando terminar a reforma que é preciso fazer. Temos uma sala com um bom acervo de objetos e documentos doados pelos lapeanos.

O que os lapeanos doaram?
Muita coisa. Uma reportagem publicada no jornal O Estado de São Paulo falava da criação do Centro de Memória e graças a ela muitas famílias da Lapa trouxeram objetos de seus parentes que tinham participado do movimento constituicionalista.

O que o senhor destaca do acervo?
Uma cópia da carta de Santos Dumont pregando a união do Brasil que foi escrita pouco tempo antes de seu suicídio. Temos muitos documentos, fotos e jornais daquela época. Além disso, temos fardas, bandeiras e equipamentos usadas pelos combatentes como armas e objetos pessoais. As matracas, que imitavam o som das metralhadoras também são daquela época. 

Qual a participação do bairro da Lapa nos eventos?
A Companhia Melhoramentos imprimiu a pedido do governador Pedro de Toledo, as cédulas de dinheiro que circularam em São Paulo naquela época. Outras duas empresas do bairro, a Martins Ferreira, da Lapa de Baixo e a Fi-El que fabricava cabos elétricos, fabricaram capacetes de aço para os soldados paulistas. 

Os paulistas que lutaram neste conflito eram todos voluntários?
Em qualquer guerra ou revolução, os homens eram convocados. Em São Paulo, todos os combatentes que lutaram se apresentaram como voluntários.

Qual foi o papel das mulheres paulistas no conflito?
Elas foram muito importantes. Elas confeccionavam as roupas dos soldados e tratavam dos feridos. Uma delas, Maria Soldado (Maria José Barroso), como ficou conhecida, conseguiu se passar por homem e lutou no front. Descobriram que ela era mulher quando foi ferida. Mais tarde ela, ela foi eleita a mulher-símbolo da Revolução de 32. 

O Centro de Memória está sempre aberto à visitação?
Sim. Qualquer pessoa pode visitá-lo. Se o grupo for grande, colocamos uma pessoa para acompanhar e explicar alguns detalhes. 

No mês de outubro se comemora os 80 anos do fim do conflito. Que comemorações estão previstas?
Nós, da Sociedade dos Veteranos de 1932, comemoramos três datas. No dia 23 de maio, o dia da Juventude Constitucionalista, que foi o dia que os quatro estudantes – Miragaia, Martins, Drauzio e Camargo – morreram. Em 9 de julho, a Eclosão do Movimento Constitucionalista e no dia 2 de outubro, o dia da Cessação das Hostilidades. Lembro que não houve rendição por parte dos paulistas. O general Klinger enviou um telegrama diretamente para Getúlio informando que no dia 1º de outubro seriam cessadas as hostilidades. E Getúlio respondeu que aceitava.

Que eventos estão programadas para acontecer aqui na Lapa?
No próximo dia 9 de outubro, aqui na Praça John Lennon, teremos a presença da Polícia Militar e do Exército. Serão homenageadas 12 pessoas com a medalha Pedro de Toledo, concedidas pelo governo de São Paulo.

Na sua opinião, valeu a pena o sacrifício do povo paulista?
Sim. Se não tivesse acontecido esse movimento, poderíamos estar vivendo sob governos de caudilhos. O movimento de 1932 exigia uma nova constituição, que foi promulgada em 1934.


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