Moradores da Lapa, o casal Shoon e Shizumo Nagamine é a confirmação do ditado “nascidos um para o outro”. É a história deles que aqui contamos.
No início do século passado, o Japão passava por uma crise muito grande e o governo japonês decidiu enviar famílias para outros países para fugir da pobreza e da fome. Muitas dessas famílias vieram para a América do Sul. Muitos deles foram enviados para o Peru e outro grande contingente aportou em Santos, em São Paulo.
Entre essas famílias estava o casal Massali e Kosse Nagamine e o filho Shoon, com um ano de idade, que deixaram a ilha de Okinawa, no extremo sul do arquipélago japonês para emigrar para o Brasil. A viagem foi realizada a bordo do navio Sakinu Maru e o desembarque em Santos aconteceu em 1918. “O governo japonês disse para as famílias que imigraram que aqui eles iriam encontrar muita fartura e todas as facilidades que não havia no Japão!”, lembra a Nair, a filha do casal Antonio/Shizumo. “Mas ao chegarem, meus avós foram enviados para o interior de Minas Gerais para trabalhar em uma fazenda de café onde outras famílias japonesas foram alojadas”.
Aqui cabe uma explicação. Por conta da idade, o casal, ele 102 anos e ela, 98, têm certa dificuldade em ouvir. Mas estão lúcidos e dentro das suas possibilidades levam uma vida normal. “Minha mãe faz questão de cozinhar, lavar a roupa, cuidar do meu pai, da horta, do jardim e das orquídeas, uma das suas paixões”, relata a filha Nair que junto com o marido Karl, deixou o litoral paulista, onde moram, para cuidar dos pais nesta época de coronavírus. A filha mais velha, Helena, também participou da entrevista.
Contam elas que a vida no campo não foi fácil para os avós. Shoon que mais tarde incorporou o nome Antonio, e o senhor Shoon que incorporou o nome Antonio e no alto de seus 102 anos, faz questão de dizer que ele “e meus pais vivemos por anos Fazenda Lajeado, de propriedade de Antonio Borges, em Conquista, região do Triângulo Mineiro, onde eles viveram alguns anos, colhendo café”. Ele estudou em Uberaba, no Colégio Marista e como “filho mais velho, estudei até o segundo ano e meu pai me chamou para que eu tomasse conta dos pais e dos meus seis irmãos pudessem estudar”, relata firme. Ele é o único que está vivo.
A futura esposa, Shizumo, também chegou ao Brasil com a família e também saíram da mesma Okinawa. Ela chegou ao Brasil com 14 anos e aqui chegaram em 1937. A família dela também foi levada para a mesma região onde Antonio já vivia com a família, mas não se conheciam. O casal, como é praxe na cultura japonesa de então, passaram a cuidar da família dos pais e irmãos dele. “Naquela época, a mulher do filho mais velho também cuidava da família dos pais do marido”.
A união do casal aconteceu em 1939. O noivo com 22 anos e a noiva, 17 anos. As duas famílias japonesas dos noivos é que fizeram os acertos e o casamento foi realizado. O casal gerou cinco filhos: Helena (formada em Letras), Helio (engenheiro), Nair (letras), Odete (pedagogia e história da arte) e a caçula Eni (assistente social), oito netos e cinco bisnetos. As filhas contam que os pais sempre se esforçaram no campo para que os filhos estudassem. E todos os descendentes, seguiram essa tradição familiar, incluindo uma bisneta que estuda química na Universidade de Harvard.
Do interior de Minas, anos mais tarde o casal se transferiu para o interior paulista, Igarapava e Buritizal, onde cultivaram arroz, algodão, milho entre outros produtos. Por alguns anos, o senhor Antonio ficou trabalhando sozinho na lavoura enquanto a esposa estava na capital para cuidar dos filhos que estavam estudando. Ele mesmo conta, “Deixei a lavoura em 1972 e vim para São Paulo para ficar perto da esposa e dos filhos”, diz. Aqui, teve comércios – uma mercearia na zona Norte, uma lotérica e na década de 1980, junto com o filho Helio e a nora Suely compraram o posto Shell Jaguaré, na rua Schilling, na Vila Leopoldina, e Antonio foi regularmente para trabalhar.
O casal voltou ao Japão e a Okinawa uma vez. Mas neste retorno ao país que deixaram décadas atrás, a situação do Japão era outra. A fome e pobreza foram eliminadas e em seu lugar um país que conseguiu manter a tradição e a modernidade. Em uma época onde o Japão já tinha outro cenário, felizmente.
As filhas contam que a família se reúne aqui na casa de Antonio e Shizuko no Natal e as fotos mostram que o número de descendentes cresceu a cada ano. Esse é um momento familiar é motivo de orgulho do casal.
No ano 2018, a família Nagamine promoveu uma grande festa para comemorar o centenário do senhor Antonio. Publicaram um livro com a história e fotos das várias gerações. Uma das filhas conta que o grande sonho do pai, “é viver até a minha mãe completar 100 anos, em 2022”. Com certeza eles vão comemorar essa data memorável para a família Nagamine. E Antonio faz questão de dizer que “a minha esposa foi o esteio da família Nagamine”. Uma prova de amor, com certeza. (GA)