Empresário do setor de transportes, músico, produtor musical e morador da Lapa, Zero Freitas tem um acervo de long plays (LPs) que supera a casa dos seis milhões. “Tem de tudo: religioso, funk, música experimental, rock…” E ele quer mais!
A paixão pela música vem da infância. “Minha mãe passava o dia cantando. Ela ouvia e era ‘macaca de auditório’ de cantores como Nelson Gonçalves e Francisco Alves, e ouvíamos em casa os LPs em 78 rotações. Daí nasceu meu amor pela música e pelos discos”, explica o Zero, ou José Roberto Alves Freitas.
O acervo, como ele se refere aos discos que tem estocado em caixas de plástico rígido, se distribuem em um galpão na Lapa de Baixo e ocupa bom espaço de sua produtora, a Armazém da Luz, que faz locação de equipamento de som e luz na Rua Guaipá, na Vila Leopoldina, onde a entrevista foi realizada em meados de junho.
Ele não abomina o CD, mas diz que nunca deixou de gostar do som produzido entre o atrito da agulha e o vinil. “O LP é mais vivo por ser analógico ao som real. O digital dos CDs é uma tradução numérica binária. A agulha, quando risca o disco muitas vezes, acrescenta outros sons enquanto no CD, depois de muito uso, surge o vácuo, o silêncio”, explica.
Seu acervo tem quase tudo. “Tudo é impossível, mas estou sempre à procura e comprando mais e todos os gêneros musicais me interessam”, diz. Para organizar esse mundo de vinis, ele conta com uma equipe de 20 estagiários, divididos em duas turmas diárias, que se revezam na catalogação dos discos. Até o momento, são 300 mil discos devidamente incluídos em um sistema informatizado. O trabalho dos estagiários compreende checar se capa e disco estão corretos, a situação física e se há algum detalhe específico, como dedicatória. A turma faz o trabalho ouvindo alguns desses LPs. Cada um deles, por rodízio, escolhe o disco do momento.
O gosto da mãe pelos discos influenciou Zero, que percebeu que a música seria seu caminho. Além dos discos da família de origem portuguesa, o pai comprou uma vitrola estereofônica de um amigo lusitano que voltava para Portugal. “Junto vieram uns 200 discos, tinha Frank Sinatra, Ray Charles e outros artistas americanos”. E com a coleção da família, o número só aumentava.
Junto com a família, Zero nasceu e morou no Pari e depois no Ipiranga. Foi nessa época que os pais compraram um piano para ele aprender a tocar. “Aprendi por um tempo, mas depois abandonei porque queria tocar rock e só voltei a estudar música e partituras quando cursei música na USP”. Depois da faculdade, fez e continua a fazer trilhas musicais para teatros e shows. Ele divide seu dia a dia com a música e a empresa de transporte que a família fundou.
Zero veio para a Zona Oeste quando se separou da primeira mulher: “Queria ir para um bairro onde não tivesse raízes. Ter vindo para a região da Lapa foi ótimo. Trouxe minhas filhas para morar perto, e até convenci meu sócio a se mudar para cá. Hoje, casado pela segunda vez, continuo por aqui”.
O interesse de Zero pelos discos vai além das músicas. “Além de me divertir, busco a história, a memória e a afeição. Quero capturar a alma do artista e saber mais sobre ele”. No acervo da Rua Guaipá, são corredores e mais corredores de estantes de aço com os discos catalogados e organizados. Um programa ajuda a saber onde estão e toda a informação referente àquele vinil. Em sua residência, Zero mantém outra coleção, com ‘módicos’ 100 mil exemplares agrupados por países. “Em casa, também guardo os discos que são raros, como o vinil que o maestro Heitor Villa-Lobos autografou para o radialista carioca Paulo Santos”.
A música brasileira tem cerca de 250 mil vinis, avalia Zero. Mas o jornalista Ruy Castro, num texto publicado na Folha de S. Paulo, o criticou por ter um número pequeno em relação a todo o acervo. “A partir dessa provocação, quero aumentar o número de discos produzidos aqui no Brasil e espero que um dia o Ruy Castro conheça meu acervo”, diz.
Convidado a listar os mais queridos, cita Yo Yo Ma (suíte para violoncelo de Bach), Tom Zé (Estudando o Samba) e as interpretações de Ná Ozetti para Dio Come Ti Amo e Sua Estupidez. “Dá vontade de cortar os pulsos”, exagera, “ao ouvir Saudades da Guanabara com Moacyr Luz e qualquer disco de Bola de Nieve”.
É possível visitar o acervo. Mas é preciso explicar o interesse através de e-mail ou telefonema.
acervo@armazemdaluz.com