O verdadeiro espírito do Natal

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O verdadeiro espírito do Natal

Completando no último mês 30 anos no ofício de padre, 26 dos quais na Paróquia Nossa Senhora de Fátima, na Vila Leopoldina, o Monsenhor Tarcísio Justino Loro tem um extenso currículo como estudioso da cultura e do espírito humano. 

Formado em Letras, Pedagogia e Comunicação no Brasil, em Semiótica na Alemanha e em Teologia na Itália, esse gaúcho de nascimento fez ainda doutorado em Geografia Humana na USP. Hoje, além de exercer um reconhecido e ativo trabalho social na paróquia do bairro, dá aula de Introdução ao Pensamento Teológico em diferentes faculdades da PUC e de Comunicação e Pastoral, Homilética, Ética e Pastoral, entre outras, na Faculdade de Teologia, também da PUC. Nesta edição de final do ano, o Monsenhor fala com exclusividade ao Guia Daqui sobre o verdadeiro espírito natalino, que deve permear a data e também a nossa vida. Acompanhe.

Conte sobre sua relação com o bairro e com a Paróquia.
Vim para cá em 1988 e tenho um grande carinho pelo bairro, especialmente pelas pessoas que aqui residem, que têm valores cristãos arraigados e que gostam muito de trabalhar pela comunidade. Existem muitas associações do bairro também que criam esse ambiente familiar na região. De minha parte, tudo que posso fazer para ajudar, eu faço, apoiando e participando de eventos comunitários, para que tenhamos um bairro cada vez mais saudável, amigo, e que se preocupe com os menos favorecidos.

Que trabalhos sociais são desenvolvidos aqui?
Temos a Casa Pequeno Cidadão, que abriga 26 crianças enviadas pelo juiz da Vara da Infância e da Juventude. Crianças abandonadas, que sofreram maus tratos, fraturas, e que essa comunidade acolheu, fazendo de tudo para que tivéssemos um local apropriado, situado na rua Aliança Liberal, onde ficam e são bem cuidadas. Temos também o Centro da Juventude, que funciona ao lado da paróquia. São 120 crianças de escolas estaduais que fazem a refeição todos os dias e têm reforço escolar, música, ginástica, computação. Muitas dessas crianças não tinham onde ficar após as aulas normais e aqui elas aprendem e ficam protegidas.

Quais são suas maiores preocupações com esta comunidade?
A comunidade religiosa está cada vez mais diversificada por aqui, por conta das pessoas que estão chegando ao bairro. Muitas das que residem nos novos edifícios da Carlos Weber e da rua Guaipá já estão participando da igreja e minha preocupação é como envolvê-las mais nos trabalhos da comunidade. Me preocupo em abrir perspectivas, o que não é fácil, e desenvolver novas pastorais voltadas ao meio ambiente, aos dependentes químicos, à esperança (reunindo pessoas que se preocupam com os que perderam seus entes queridos), à fé e à política, principalmente porque temos aqui uma classe social com certo nível e não seria difícil envolvê-los nesses questionamentos, e também por entender que a política é um instrumento de construção da sociedade e que os princípios cristãos, como ética, virtude, justiça, não demagogia, etc., têm muito a contribuir para a sociedade.

As pessoas estão migrando para novas religiões?
Isso ocorreu no bairro?Nesta comunidade não, porque eu tive de abrir novos horários de missas, antes só tinha a das 7, das 10 e à noite, agora tem ainda a das 9 e 11 e à noite aos finais de semana. Tivemos de abrir turmas de catequeses à noite, temos 36 pastorais. Sinto que tem pessoas que estão retornando, que tiveram experiências em outras religiões, e que agora estão conosco de novo, o que é um bom sinal. É uma alegria para mim e para todas as pessoas já envolvidas.

O Natal surgiu do catolicismo mas seu simbolismo extrapola a religião.
Na minha maneira de ver, o dia em que ele nasceu não é importante, mesmo porque existem contradições quanto a isso. O mais importante é que o Natal é sempre uma proposta de renascimento, onde cada pessoa é chamada a rever sua vida, suas atitudes, comportamentos, propor algo novo. E portanto, o Natal também, na linha antropológica, sugere que todos nós precisamos parar, fazer uma autoanálise e tentar fazer diferente. Então o Natal é esse tempo maravilhoso, onde as pessoas entendem que alguém nasceu para que elas pudessem nascer de novo.

Nesse renascimento está presente o espírito de Natal?
Sim. Inclusive o próprio Cristo disse a Nicodemos: “Você tem de nascer de novo”, e assim é o espírito de Natal. Quer dizer, toda essa parte de simbologia deve ajudar a esse novo nascimento. Ser um melhor pai, uma mãe melhor, um filho mais acolhedor para seus pais, uma filha capaz de refletir sobre si mesma… pois, se não tomarmos cuidado, nós olhamos para fora, principalmente porque o Natal se transforma apenas em beleza para os olhos – há luzes, a cidade se enfeita – e não num olhar para dentro, como deveria ser.

Como devemos proceder para entrar no espírito natalino?
Devemos nos perguntar: “o que devo fazer para ser uma pessoa melhor, mais compromissada com as questões sociais, dentre elas a família? Como me comprometo com as questões de Jesus, que é um olhar profundo para todos aqueles que sofrem, os excluídos, os doentes? Então o Natal é uma retomada da vida e do sentido da própria vida.

O consumismo deturpou o Natal?
O consumismo continua deturpando… porque numa sociedade capitalista como a nossa, as pessoas olham muito o produto e concorrem entre si para ter o que o outro tem. Isso invade todas as relações sociais e nesta época isso fica bem evidente e é muito triste. O Natal não é uma concorrência. Nesta época devemos pensar que o grande presente que nos foi dado por Deus foi Jesus Cristo. Então essa corrida consumista de fato pode perturbar o verdadeiro nascimento. A espiritualidade nesta época deve ser mais trabalhada nas famílias, nas escolas, pela sociedade. Por isso vamos fazer celebrações, para abrir os olhos das pessoas para outra realidade, a realidade interior de cada um, da família, da sociedade, onde cada um tem algo a dar como irmão, criar a fraternidade, justiça e fraternidade.

Há esperança de mais pessoas viverem esse clima?
Sim. Só o fato do Natal proporcionar encontros na família, é algo grande. Mesmo que a pessoa não tenha muita consciência sobre a data, ela será tocada pela emoção do momento ao encontrar seus entes queridos. O Natal é como a água que cai na terra e produz frutos, ele nunca passa tão neutro como parece.Além das missas, quais serão as celebrações e ações da Paróquia no Natal?Faremos uma grande celebração na Praça John Lennon: o Natal Comunitário, além das missas na igreja. Quanto às ações, continuaremos expondo os trabalhos manuais que sobraram de nosso Bazar de Natal, que aconteceu em novembro, e recebendo doações de roupas, calçados, livros, material escolar… muitos desses objetos são destinados aos necessitados e alguns vendidos em nosso Bazar da Pechincha, que acontece toda quarta-feira. O dinheiro do bazar vai para as obras assistenciais da paróquia. 

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