As eleições e o poder local

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Nascido na França, o economista Ladislau Dowbor, imigrou com os pais poloneses no final da Segunda Guerra. Vive em São Paulo desde 1954 e desde 2000 na Lapa. Exilado pela ditadura militar em 1970, ficou uma década no exterior, onde fez mestrado e o doutorado em economia. A partir de 1977 passou a trabalhar para as Nações Unidas, na montagem de sistemas de organização econômica em países africanos e da América Latina. Atualmente é professor titular nas pós-graduações de economia e de administração da PUC de São Paulo. Autor de vários livros, entre eles, “O Que é Poder Local (Brasiliense)”, ele aqui nesta conversa trata das eleições, o poder local e papel do eleitor neste importante momento da cidade.

O que é o poder local?
Um fato marcante é a nossa urbanização. Até 1950, 2/3 da população habitava o campo. Hoje, 84% da população é urbana. Nos urbanizamos com grande rapidez. Isso coloca desafios de organização porque antes a população rural estava dispersa em pequenos centros e em uma capital e era natural que o poder fosse central. Hoje essa organização é eminentemente local. Seja o transporte, a educação, a riqueza ou a pobreza cultural da cidade. Quando você olha o seu cotidiano, você descobre a que ponto a cidade e seu entorno rural constitui uma unidade. O poder central tem grande peso quando estão sendo construídas as grandes obras de infraestrutura, sistemas rodoviários e ferroviários, sistemas energéticos. São sistemas de âmbito nacional ou plurinacional. Após estas grandes estruturas, o grosso da gestão pertence às cidades. E aí se desloca o eixo do processo decisório e político para os níveis locais.

Como essa organização pode ser feita?
Um exemplo. A Suécia se urbanizou 50 anos antes de nós. Lá, o orçamento público é de 60% do PIB a carga tributária. Desse total 72% da decisão de uso acontece na cidade. O problema é onde está o estado. O sueco vai às reuniões para decidir onde o dinheiro será aplicado.

E o Brasil como está?
Temos uma carga tributária de 35% mas só 15% deste dinheiro chega ao nível local. Estamos presos ao governo central que permite a penetração das grandes corporações e reduz o caráter democrático das decisões.

Estamos evoluindo ou não?
A evolução acontece, indiscutivelmente. É o caso das ferrovias brasileiras que estão em construção. Em 1930, o país tinha 30 mil quilômetros de ferrovias. Depois foi abandonada em benefício das montadoras de automóveis e caminhões, das construtoras de estradas. Ainda estamos fazendo obras de infraestrutura que se resume em quatro eixos: transporte, energia, água e comunicações que exigem investimentos de caráter nacional. E nesse ponto parecemos com a China. Mas a China é centralizada politicamente, mas descentralizada em termos econômicos, o que dá uma eficiência nas decisões. Aqui, nos urbanizamos muito, mas a nossa democratização ainda está atrasada.

E como está São Paulo?
Ainda não conseguimos implantar as subprefeituras na cidade. Estamos abaixo da média brasileira. Para São Paulo, você precisa pensar como um espaço sócio-econômico. É uma grande cruz: Campinas e Santos, Sorocaba e São José dos Campos. É a bacia econômica dessa região e é a principal, de longe, do país. A Grande São Paulo tem 39 municípios, com 21 milhões de habitantes. Só São Paulo tem 11 milhões. Estamos falando de um país maior que a Suíça, a Suécia…

Qual é papel das subprefeituras?
Fui secretário da prefeita Luiza Erundina (1989-1993) e batalhei muito para implantar as subprefeituras. No governo da Marta Suplicy, foi tentado novamente, mas o poder das empreiteiras rompe todos os sistemas. Elas só querem fazer viadutos etc. Temos subprefeituras com mais de 600 mil habitantes. Se fosse uma cidade europeia, estaria subdividida em conjuntos de administrações locais. Aqui, com um coronel aposentado na direção é absolutamente inviável administrar de maneira democrática. É necessário ter um subprefeito conhecido da região e ter um conselho de representantes onde afloram os diversos problemas dentro de um processo decisório.

O subprefeito deveria ser eleito?
Eu trabalharia com subprefeito indicados pelo prefeito ou apresentados em lista tríplice para ter uma coerência de decisão com a prefeitura. Mas o conselho de representantes deve ser eleito com moradores do local. E é preciso valorizar o conjunto de instrumentos de participação dos diversos movimentos populares da sociedade civil.

Os conselhos formais são eficientes?
Eles estão fragilizados. Mas temos alguns conselhos de bairros fortes e atuantes. No Movimento Nossa São Paulo, reunimos em torno de temas como saúde, organizações bem participantes. Permitem que as pessoas se reúnam em torno de temas-chaves e sintam sua força. Isso tende a criar estruturas participativas.

Neste ponto, como o senhor analisa a atual gestão?
É contrária aos processos democráticos e não permite que existam as subprefeituras.

O que devemos exigir do próximo governo no caso das subprefeituras?
Subprefeitura existe para atender os serviços básicos. Ela deveria abrir espaços para conselhos de representantes e movimentos sociais que passariam a participar dos processos decisórios na governança. Onde a sociedade não está organizada em torno dos seus interesses, nada funciona.

Mobilidade urbana é um tema muito abordado pelos candidatos.
O paulistano em média gasta duas horas e meia para se deslocar na cidade para ir e voltar do trabalho. O ideal seria uma hora, no máximo. É preciso investir em metrô e transporte de massas. No discurso, os candidatos defendem mobilidade e governança, mas na prática tem muita gente amarrada com o sistema atual, dominado pelas montadoras, empreiteiras e tal. Isso é herança do Maluf e que o Serra e o Kassab deram continuidade.

Como descentralizar os serviços públicos?
Podemos ir mais longe do que alguns Poupatempo. Com a informática, podemos descentralizar radicalmente a cidade e resolver os assuntos com a prefeitura sem desarticular o processo. Isso reduz os deslocamentos inúteis.

A Ficha Limpa vai influenciar estas eleições?
É um primeiro passo. O principal sistema de corrupção aqui é o financiamento corporativo das campanhas. Enquanto tiver massas de dinheiro de corporações que se apropriam da política, vamos ter o que temos no congresso nacional. Temos lá, bancada dos ruralistas, dos banqueiros, outras e não temos uma dos cidadãos. Em São Paulo, quando se faz obras para atender aos carros e não para o coletivo, isso gera custos para todos. Temos ainda, as emendas parlamentares de orçamento que é um escândalo que vem dos anos 1990. É desastrosa. O legislativo é eleito para fazer leis e não para indicar construção de pontes.

Como deve ser o financiamento público das campanhas?
É preciso ter financiamento público. Em geral, a apropriação corporativa dos processos políticos, deforma radicalmente as propriedades das políticas da cidade.

O voto deve ser obrigatório?
Sem dúvida. Afinal, todo mundo se aproveita da sociedade. O que temos aqui é muito precioso e o pouco que temos de institucionalidade é o que faz o país andar.

O senhor é a favor do voto distrital?
Acho bom, mas vou mais longe. Ele amarra o político à comunidade que ele representa, neste sentido é positivo. Mas a política deve ser descentralizada e participativa. Quando se tem muito mais pessoas participando, fica mais difícil de haver corrupção.

Como escolher um bom candidato?
Precisa ter um ponto de referência. Aquele que trabalha no sentido de promover uma redução na desigualdade social, na mobilidade, proteção ambiental, em um discurso e nas ações. Que se comprometa com a governança e a reconstituição das subprefeituras. Todo político que apresenta propostas coerentes e confiabilidade que vá executar. E que incentive a democratização dos processos decisórios.

O senhor participa de algum movimento aqui na região?
Participo do Movimento Boa Praça que promove encontros e piqueniques nas praças. E também quando sou chamado a participar de conselhos de segurança ou semelhantes, participo e dou minha contribuição.

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