Essa história fala sobre a trajetória de uma cidadã que nasceu na Rua João Annes, no bairro da Lapa. O período atravessado pela infância ainda trazia a rigidez dos imigrantes europeus. Era uma época de quebras de tabus e a mulher era preparada para ser esposa e mãe. “Fui fazer um curso de corte e costura em uma escola que ficava em frente à escola de música de dona Elvira Sbrighi” – professora renomada que nos anos 1940 e 1950 manteve uma importante escola homônima na região.
“Minha nona, a mãe de meu pai, dizia que eu não seria capaz nem de fritar um ovo – e eu costurava nas aulas, mas ficava ligada no som do acordeom que vinha daquela casa do outro lado da rua”, recorda Ruth Bini, a entrevistada dessa edição.
A neta de italianos tinha catorze anos quando o pai maravilhoso, segundo suas palavras, lhe satisfez o desejo e lhe deu o primeiro instrumento, uma Maestrina Scandalli, de 120 baixos, para que ela iniciasse os estudos na música. Dizia-se das garotas que não eram capazes de fritar um ovo àquelas que viviam sob os mimos dos pais, tratadas como princesas. Verdade ou não, Ruth não frequentou mais as aulas de corte e costura e a carreira como música foi a que fez o seu coração bater mais forte.
Das voltas que o mundo dá, Ruth coleciona passagens importantes. Do primeiro ao quarto ano do curso, foi aluna de Guaracema Marino, moradora na mesma rua, nessa época, a Passo da Pátria. O talento a fez frequentar os ensaios na escola de Elvira Sbrighi, quando ainda cursava o segundo ano, com um grupo de 30 acordeonistas. Pouco tempo depois foi convidada para dar aulas para os principiantes e então não parou mais. A não ser, diz, quando se casou, em 1960, para se dedicar ao lar e à criação dos dois filhos. Com as crianças crescidas, Ruth voltou a lecionar.
O verbo parar nunca foi praticado por Ruth, porque, mesmo nos períodos em que não deu aulas, incansavelmente a artista se dedicou aos treinos para não perder a técnica. Desde 1990, ela e o marido residem no município de Atibaia, em São Paulo, e toda a quinta-feira volta para a capital para dar aulas na escola livre de música. “A gente tem que fazer o que gosta e não parar depois de aposentado, aprender sempre, tocar, dançar e ser voluntário para sentir-se bem”, concluiu.