Vivendo para a música

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Morador do Sumaré há mais de quatro décadas, o mineiro Helton Altman tem uma grande ligação com o cenário musical de São Paulo e também com a boêmia. Produtor musical e sócio com os irmãos de três bares da Vila Madalena (Genial, Filial e Genésio). Quando jovem, ele queria ser músico, mas viu que não levava jeito. Começou ouvindo os LPs que seu pai ouvia. Em São Paulo, criou espaços musicais como a Rua do Choro em Pinheiros. Abriu e fechou vários bares, entre eles os Vou Vivendo, Clube do Choro e Gargalhada, entre outros. Nesta entrevista, fala sobre sua vida, seu prazer de morar no bairro e sobre a cena musical brasileira.

Como começou com a música?
Sou um músico frustrado. Como a maioria dos produtores musicais (risos). Queria ser músico, e depois de algum tempo, senti que não tinha talento importante. E como detesto a mediocridade, resolvi parar.

Por que?
Deixei de tocar por causa do meu irmão Ronen Altman, um excelente bandolinista que em breve vai lançar um CD muito legal. Quando a gente ensaiava, ele me corrigia o tempo todo. Então, achei melhor parar com esse negócio de tocar.

Que o influênciou?
As minhas referências mais importantes vieram da vitrola do meu pai. Não tenho lembranças radiofônicas, por exemplo. Meu pai chegava do trabalho, servia um uísque, sentava ao lado da vitrola e colocava LP do Sílvio Caldas e outros deste estilo para escutar. Foi essa a minha formação. Não tenho uma música marcante de quando era adolescente como a maioria das pessoas.

As rádios ajudam a vender música?
É ele que até hoje ajuda a vender CDs, assim como a tevê e as outras mídias. E quem não está nestas mídias, não vende. As novas mídias ainda não são fundamentais para ajudar na venda. São alternativas ainda.

Como produtor musical, quem você já produziu?
Fiz até hoje mais de três mil shows em 31 anos de carreira, o que acho mais importante. É persistência demais (risos). Entre os artistas com os quais trabalhei, cito Hermeto Paschoal, Paulinho da Viola, Emílio Santiago, fui empresário da Maria Rita, João Nogueira, Toninho Horta, Sivuca, Nara Leão, Elizeth Cardoso. Hoje, sou empresário da Joyce e da Giana Viscardi. Quando tinha o bar Vou Vivendo, fazia 20 shows por mês, e os músicos da casa, eram Mônica Salmaso, Renato Brás, Banda Mantiqueira, Heraldo do Monte, fora os choros.

Como é ser dono de bar e produtor cultural ao mesmo tempo?
Dá muito trabalho, mas quando um não dá certo, você tem o outro (risos). Faço mais projetos musicais. Sempre trabalhei com músicos culturalmente importantes, em quem eu acredito. Não critico quem faça, mas não aceito fazer projetos que sejam apenas comerciais.

O que você mais gosta de fazer?
Produzir e dirigir shows, além de criar projetos musicais. Ser empresário é uma coisa mais difícil. Você é responsável pela vida artística do cantor, da cantora, profissional e financeira das pessoas. Você é o “culpado” pelo que dá certo e pelo que dá errado. Se já é difícil administrar a sua própria vida, imagina administrar a vida dos outros.

Por que os shows de artistas internacionais custam caro no Brasil?
É difícil responder isso. Acho que hoje nós temos uma admiração exagerada pelo que vem de fora. Não existe show no Brasil que seja viável e que se pague com menos de 1,5 mil pessoas. Hoje você precisa ser patrocinado, participar de editais do governo, procurar empresas, Sescs da vida… O Toquinho conta que no tempo que eles faziam turnês pelos circuitos universitários, não tinham patrocínio, viviam do dinheiro de bilheteria e todo mundo conseguia viver bem. O preço de um show era mais ou menos seis vezes um ingresso de cinema. Hoje, está quase igual. Nos shows, temos músicos, produtores e toda uma estrutura técnica por trás. E só se torna viável com patrocínio ou apoio do governo.

Quem você aponta como novos talentos e que tem qualidade?
Um deles é o Pitanga em Pé de Amora, grupo que tem um sobrinho meu na formação. Eles só fazem e cantam músicas autorais. Cantam e tocam apenas as músicas deles e estão conseguindo um público fantástico. Eles têm mil downloads em um espaço curto de tempo. É um projeto artístico que acho muito importante. E outra que cito é a cantora Giana Viscardi que vai fazer muito sucesso.

E as novas mídias ajudam a trazer novos talentos musicais?
Vejo a internet como uma alternativa para entrar no mercado sem depender das gravadoras e da mídia oficial. Mas ainda não é mercado. Quando fazem sucesso, os vídeos que são assistidos por milhões de pessoas. Mas não é o normal. Você pode ver que os grandes artistas não utilizam essas mídias, a não ser como um meio de comunicação a mais.

E o axé music, Luan Santana, funk? Vieiram par ficar ou é um modismo passageiro?
Primeiro é preciso separar em três. Temos o projeto artístico, o projeto de entretenimento e o projeto cultural. O Brasil sofre de deficiências culturais e educacionais muito grandes e quando a música é mais apelativa, ela provoca no público uma reação. Por exemplo, o axé music. É entretenimento. Ninguém vai em um show de um músico como o Guinga para dançar, para alguém tomar cerveja. É música para ouvir. O axé se mostrou duradouro e tem um mercado próprio: a Bahia. Ele não precisa do resto do Brasil. Sou contra quando confundem a música de qualidade e o projeto artístico com música de entretenimento, que pode ser a Eguinha Pocotó ou Tchan. Nada contra. Se tem público, não sou eu que seria contra. Apenas acho que tem de haver uma separação.

As mídias digitais vão acabar com o CD?
Adoro comprar CD, LP e também tenho iPad e outras mídias. No LP tenho um fetiche com o objeto, com as capas, os encartes, as letras impressas… Acho que as novas mídias não vão acabar com as antigas. Acho que a tendência é uma convergência de imagem, som e acessos.

A pirataria vai acabar um dia?
A pirataria é antes de mais nada ilegal e não dá para ser a favor do que é ilegal. Só que a pirataria está ficando decadente. Você consegue material com imagem e som de ótima qualidade e muitas vezes também é ilegal. A pirataria do CD vai desaparecer.

Os festivais ainda têm importância?
Os festivais sempre foram acusados de serem uma receita antiga. Na época dos festivais da Record e da Excelsior, eles davam 90 por cento de audiência. Naquela época tinham vários programas de música na TV. Hoje, não temos mais programas de música. Acho os festivais ainda uma grande saída. É uma maneira de mostrar o trabalho e é um mercado.

Quem escolhe ser músico o que precisa saber?
Acho que quem escolhe a carreira de músico e compositor, escolheu a profissão e precisa se dedicar a uma missão. Se acha que vai ser uma Ivete Sangalo, está perdido. São pouquíssimas pessoas que chegam a esse sucesso. Muitos dos grandes músicos do Brasil, Jacob do Bandolim, por exemplo, era escrivão de polícia. Nunca viveu só de só de música. Viver de música é uma missão, uma coisa muito séria.

Desde quando você mora no Sumaré?
Desde 1971, moro entre Perdizes e Sumaré. Faço tudo o que dá por lá. Do médico ao jornaleiro. Sou apaixonado pelo bairro.

Como dono de bar, o que você acha da lei antifumo e outras?
Sou 100% contra. Não sou fumante e não faço apologia às bebidas. Sou a favor da liberdade individual. Essas novas leis são demagógicas e tornaram o dono de bar um criminoso. Na falta de controle, o estado resolveu colocar o dono do bar na cadeia. Isso não esta certo, pô!

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