Passando o código a limpo

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Luiza Nagib Eluf é moradora da Lapa e procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo especializada na área criminal. Foi secretária nacional dos Direitos da Cidadania (governo Fernando Henrique Cardoso) e representou o Brasil em Pequim na IV Conferência Mundial da Mulher, promovida pela ONU em 1995. Participou do Conselho Federal de Entorpecentes e dos conselhos estaduais da Mulher, de Entorpecentes e de Direitos Humanos. É autora dos livros “A Paixão no Banco dos Réus” e “Matar ou Morrer – O Caso Euclides da Cunha”, entre outros. Este a frente da Subprefetura da Lapa de 2007 a 2009. Neste mês de outubro, ela e mais outros juristas de todo o país foram convidados e nomeados para formar a Comissão de Reforma do Código Penal que terá 180 dias para fazer as propostas de modificação do Código. Nesta entrevista, Dra. Eluf explica as razões da reforma e os pontos que ela julga serem necessários fazer as modificações e alterações para deixar o Código adequado à nossa realidade.

O que significou para a senhora ser escolhida para compor a Comissão de Reforma do Código Penal?
Fiquei muito honrada de ter sido convidada. Acredito que esse convite se deve ao meu trabalho de muitos anos na área penal e aos livros que publiquei a respeito. Espero que possamos modernizar a legislação penal. A criação da Comissão foi uma iniciativa do Senador Pedro Taques, que teve apoio do presidente do Senado José Sarney e da vice-presidente do Senado Marta Suplicy.

Qual é o papel e o poder da Comissão?
Propor a reforma da Parte Geral e da Parte Especial do Código Penal e também da legislação extravagante, elaborando um anteprojeto de lei.

Por que se faz necessária a mudança do Código Penal?
A Parte Especial do CP em vigor é de 1940. De lá para cá, quase tudo mudou em nossa sociedade. Precisamos abordar temas que nem existiam naquela época, como, por exemplo, crimes de internet, gravidez de feto anencefálico, crime organizado, crimes de trânsito, etc. Temos que adequar as penas, melhorar a redação de determinados artigos, eliminar alguns tipos penais e criar outros. O trabalho é enorme.

O que é mais urgente mudar no Código Penal?
Precisamos punir com mais rigor os crimes de trânsito, principalmente quando o motorista que deu causa ao sinistro estava alcoolizado. Atualmente, o homicídio culposo tem pena de 1 a 3 anos de reclusão. Gostaria de aumentar a pena para os casos de embriaguez ao volante.

Hoje, é considerado estupro qualquer violência sexual (com ou sem penetração). Em artigo recente na imprensa, a senhora argumenta que deve haver uma diferença de punição entre uma apalpadela e um ato sexual não-consentido. Poderia explicar sua posição?
Tivemos uma alteração recente nos crimes sexuais do Código Penal. A Lei 12.015 de 2009 fez uma reforma parcial com relação a essas condutas, mas ainda vamos ter que melhorar o que foi feito. Um dos artigos que entendo que deva ser reformado é o 213 do CP, que trata do estupro. Ele concentra várias condutas sexuais praticadas mediante violência e comete o equívoco de aplicar a mesma pena para todas elas, desde um ato sexual até um beijo lascivo. Precisamos separar as diversas formas de agressão sexual e aplicar a elas penas diferente, de acordo com o potencial ofensivo de cada uma.
 
A Lei Maria da Penha, que pune os agressores das mulheres, em sua maioria, seus companheiros, também precisa de modificação?
O brasileiro agride a mulher porque cultua o machismo e considera a mulher sua subordinada, sua escrava. A Lei Maria da Penha veio para ajudar as mulheres a se proteger contra a violência doméstica. Essa lei é boa e, a meu ver, não precisa de alteração nenhuma.
 
Será reduzida a responsabilidade civil para 16 anos?
A maioridade civil foi reduzida de 21 para 18 anos há pouco tempo. A maioridade penal sempre esteve fixada em 18 anos e para mudar esse patamar será preciso alterar a Constituição Federal. A Comissão de Reforma do CP não tem essa atribuição.

A constituição diz “que todos são iguais”. Há necessidade de se criar leis para proteger as minorias? E quais minorias que precisam de proteção do CP?
Se forem as mulheres, não são minoria, são a maioria da população brasileira. No caso dos homossexuais, acho que devemos criar uma punição específica para combater a homofobia, mas ainda não discutimos esse assunto na Comissão. A Constituição diz, sim, que todos são iguais perante a lei, mas isso não impede que sejam tomadas algumas medidas afirmativas, positivas, para auxiliar setores da população que sofrem preconceitos e discriminações.
 
O assédio moral e o bullying também entram no CP?
Acredito que o assédio moral deve ser tratado na legislação trabalhista e não na penal. O CP já incrimina o assédio sexual e acredito que podemos melhorar a redação desse artigo.

O motorista que bebe e dirige pode se recusar a fazer o teste do bafômetro, e ele pode vir a matar ou causar danos à coletividade. A lei atual garante certa impunidade aos infratores. O que deve mudar, segundo o seu ponto de vista?
O teste do bafômetro é legal. É válido como prova e precisa ser utilizado para punição e prevenção de acidentes. Homicídios causados por motoristas embriagados é que devem estar sujeitos a pena mais severa do que a atualmente prevista para o homicídio culposo (de 1 a 3 anos de reclusão).

A senhora e seu marido também foram vítimas de um motorista alcoolizado. O que aconteceu e que punição teve o motorista que provocou o acidente?
Faz 29 anos. Um motorista altamente embriagado atravessou a pista e colidiu com o veículo em que meu marido e eu estávamos, do outro lado da pista, na Rodovia Rio-Santos. Tive ferimentos sérios e quase morri. Entrei em coma. Estava grávida e quase perdi meu filho. Sofri fraturas em vários locais do corpo e o mesmo aconteceu com meu marido, que ficou 3 meses hospitalizado. Levei um ano para me recuperar. No outro veículo, havia 6 pessoas amontoadas e uma garrafa de cachaça. Todos ficaram seriamente feridos, mas o motorista foi absolvido. Um absurdo, uma tremenda falta de consciência do juiz na época. E meu colega do Ministério Público perdeu o prazo para recorrer da absolvição. Foi o cúmulo da impunidade.

Existem muitas armas em circulação. O CP vai alterar este artigo?
A meu ver, a legislação sobre armas está correta, não penso em mudá-la, a não ser que algum membro da Comissão formule alguma sugestão muito interessante. Com relação às armas, o que falta no Brasil é fiscalização.
 
O grande ou pequeno traficante deve ter a mesma punição/pena? A maconha será discriminada no novo Código Penal?
O grande e o pequeno traficante já têm penas diferentes pela legislação em vigor. Quanto à descriminação da maconha, deverá ser objeto de discussão para posterior deliberação. Não acredito que a maconha deva ser liberada.

A impunidade parece ser uma das razões da insatisfação popular da atualidade. O Código Penal poderá servir para que os culpados sejam realmente punidos, com cadeia e multa? Ou esse não é papel da Comissão?
A impunidade pode diminuir com algumas alterações legais, mas com relação a esse tema, para que haja punição séria em nosso país, é preciso que o Estado trabalhe com mais eficiência, que a Polícia esteja preparada para apurar os crimes e o Judicário tenha maior rapidez nos julgamentos, além de mais rigor na aplicação das penas.

Sobre o Controle do Judiciário, qual é a sua opinião? Os juízes estão acima das leis?
Ninguém está acima da Lei. A discussão surgida recentemente foi com relação às Corregedorias dos Estados e à Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Não acredito que haja incompatibilidade de funções, ambas as corregedorias têm um papel a cumprir. As apurações referentes a possíveis incorreções dos magistrados estaduais sempre começam nos Tribunais de Justiça dos Estados, no entanto, se houver alguma queixa de demora ou corporativismo nas investigações, o CNJ poderá instaurar uma investigação paralela. Acredito que essa seja a melhor forma.

O Estado muitas vezes não dá condições para que a Justiça atenda com um mínimo de condições o público. Exemplo: O Fórum da Lapa recentemente, teve seu fechamento pedido pelo juiz por falta de condições de trabalho/atendimento à população. Como melhorar a estrutura de atendimento da Justiça. Tem solução?
Tudo tem solução, bastando que haja vontade política.

Qual é a agenda da Comissão? Quando ela deve finalizar seus trabalhos? E qual será o caminho das propostas levantas por ela?
A Comissão de Reforma do Código Penal tem o prazo de 180 dias para terminar os trabalhos. Fizemos divisões internas, criamos subcomissões e já estamos produzindo. Quando terminarmos, vamos entregar o anteprojeto que será analisado e votado no Senado e na Câmara.

Se tudo correr normalmente, quando o novo Código Penal estará valendo?
Não consigo fazer essa previsão no presente momento. Poderei ter uma ideia melhor dos prazos a partir de meados do primeiro semestre do ano que vem. Enquanto isso, vamos aceitar sugestões da população. E quem quiser entrar em contado comigo poderá acessar meu site: www.luizaeluf.com.br.

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