Uma mulher de fibra

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Dia 8 de março de 1857, algumas operárias americanas resolveram entrar em greve para reivindicar melhores condições de trabalho: elas trabalhavam 16 horas por dia e recebiam até um terço do salário dos homens. Por isso, nesse dia é comemorado o Dia Internacional da Mulher. Mais do que comemorar a condição feminina, esse dia é marcado pela conscientização do papel que a mulher exerce na política, na economia e muitas outras áreas. Sejam as altas executivas, em cargo de comando e de destaque, ou sejam as operárias, pequenas formigas na labuta diária e na defesa de sua vida e de muitos que dela dependem, o mundo está repleto de exemplos anônimos de mulheres que fazem da sua vida um ponto de referência para todos que a rodeiam.
O Guia Daqui Lapa-Leopoldina resolveu homenagear todas as mulheres buscando uma pessoa de destaque na região. Por tudo que ela já fez, por tudo que ela ainda faz, Dona Maria da Conceição Samtella Ferreira é o retrato de uma mulher guerreira, acima de tudo, merecedora desta e de outras tantas homenagens. Ao longo de 87 anos de existência, ela ensina a todos a encarar os problemas como oportunidade de crescimento. Num dia chuvoso ela recebeu nossa equipe e falou por quase uma hora e meia sobre sua vida, seu trabalho e sua doença, sempre com firmeza e confiança em dias melhores. Acompanhe aqui suas palavras.

Quem é a senhora?
Nasci em 1921, tenho 87 anos, sou viúva há 19 e tenho uma filha, casada, e um casal de netos, de 20 e 22 anos. Moramos juntos. Nasci em Atibaia e vim para a Pompéia em 1924, sempre vivi por aqui. Morei na Venâncio Aires, na Caiowás, na Padre Chico e depois aqui na Vila Romana. Sou a décima filha, nove irmãos homens acima de mim e mais uma irmã dois anos mais nova. Agora estamos só nos duas. Minha mãe me teve com 40 anos.

Qual é sua rotina?
Levanto todo dia às 4:30, tomo banho, deixo meu quarto em ordem, depois faço café para todos. Vou e volto de ônibus para o escritório da Associação, tenho chegado lá às 7. Entre 21 e 21:30h, no máximo, eu já estou na cama. Aos domingos também levanto nesse horário.

E sua alimentação?
Tenho muito cuidado com a alimentação. Os médicos sempre me perguntam o que eu fiz que meus órgãos estão tão perfeitos, meu coração é de 20 anos! Eu nunca bebi, nunca fumei, não sou de ficar saindo à noite. Essa foi minha vida.

E a AGIRO?
É a Associação dos Grupos de Idosos da Região Oeste, que atende vários bairros: Jaguaré, Pirituba, Taipas, Freguesia do Ó, Brasilândia. Atendemos 150 famílias carentes, entregamos leite e de vez em quando o Estado me manda cobertores novinhos. São pessoas acima de 65 anos que recebem até um salário mínimo, gente bem pobre mesmo. Tem idosos que são só o casal, mas também tenho um casal que tem a filha deficiente e você vai fazer o quê? Eu faço uma triagem antes. Na casa que tem crianças eu não posso mandar o leite. Eu me responsabilizo por tudo. Eu adoro trabalhar com essas pessoas. Eles vêm me abraçar, tem os malcriados, revoltados, mas a maioria é muito carinhosa.

E o que vocês fazem na Associação?
No início tínhamos cesta básica, distribuição de leite, medicamentos, tinha convênio do Governo Federal, mas foi tudo cortado. Fazíamos bazares, eu comprava tudo para elas fazerem os trabalhos, na igreja da Lapa – roupas, cortinas, crochês, tricôs, pinturas. Eu dava o material e o dinheiro arrecadado era delas. Tinha baile também, com música ao vivo.Agora estou tentando cursos. Ano passado tinha ginástica e dança, elas adoravam. Agora a Prefeitura vai me mandar um professor de ginástica uma vez por semana, na quarta. Na sexta é uma reunião diferente: falamos de tudo que acontece, do que eu posso conseguir para elas. Agora vamos para Aparecida, que elas querem muito. Tem uma caixinha que elas põem 10 reais por mês cada uma, que vai para uma poupança, quando vejo que tem dinheiro suficiente para alugar um ônibus, pagar um hotel, eu levo todas, geralmente no final do ano. Eu gosto de ir também, precisa de alguém que faça tudo por eles, que olhe por eles.

Onde fica a AGIRO?
Na Rua Guaicurus, 1.000, telefone 3873-5645. Estou lá às segundas, terças e quintas, das 8 às 10, e às sextas das 14 às 16, mas na Secretaria de Cultura, no mesmo endereço. Ali eu tenho mais de 30 senhoras. Eu que recebo as pessoas, tenho que trabalhar com a razão, de vez em quando trabalho com o coração… È sempre uma oportunidade que surge da gente ajudar ao próximo. Fazer alguma ação para alguém. É uma grandiosidade uma ação dessas, não que eu ache que seja melhor, mas a vida me coloca essas situações e, se eu perder isso aqui, vou perder alguma coisa maior.

Quando era mais jovem imaginava trabalhar com idoso?
Sempre gostei de idosos. Quando eu era criança, tinha pena deles. Aos 70 anos fui convidada a fazer faculdade gerontologia social, para eu aprender mais e poder lidar com os idosos. Foi um curso de um ano, na USP, na Avenida Dr. Arnaldo, com aulas duas vezes por semana. Era uma turma de jovens e completei 70 anos lá, foi uma festa. O curso ajudou muito no trabalho.

Onde a senhora arruma forças para fazer tudo isso?
Eu não sei, não sei de onde vem. Hoje eu estou com câncer na bexiga. Operei ano passado, já fiz radioterapia e quimioterapia, mas meu organismo não aceita nada. Fiz 34 aplicações de radioterapia, não fez nada, e a quimio mexeu com todo meu organismo, com minha coluna, me deixou com anemia profunda. Hoje fui ao médico e soube que meu rim esquerdo deixou de funcionar. O médico ficou abismado, ele me disse que não esperava uma coisa dessas, eu disse que também não. Agora me resta outra cirurgia…

E a senhora vai fazer?
Não sei, o urologista vai reunir outros médicos para verificar a possibilidade dessa nova cirurgia. Ele gosta muito de mim…

Todo mundo gosta!
Apesar de eu ter tudo isso aí, eu não estou acreditando, não pode ser. Existe uma força maior e ela vai vir me ajudar. Eu sinto! Eu peço para Jesus tirar isso de mim e não dar para mais ninguém neste mundo, as pessoas não merecem isso, é muito difícil, dói muito.

E a senhora continua trabalhando normalmente?
Sim, vou normalmente para a Associação. Eu adoro o trabalho que faço, é espinhoso de vez em quando. Mas eu faço assim: se percebo qualquer coisa diferente, eu tranco lá dentro e abaixo a porta, deixo ele trancado, não trago para casa. No dia seguinte, quando chego lá, é que eu vou pensar nele. Temos que entender os problemas que vêm na vida. Ainda tenho uma porção de projetos para fazer para a Associação. Eu posso partir, mas deixo esse bem-estar para os idosos, é uma coisa que eu venho lutando há tempos. Vamos ver se Jesus me ajuda, me abre essa porta, cabeça para isso eu tenho. Vou tentar ajuda com algumas pessoas.

A senhora é religiosa?
Sou, bastante! Católica. Sei quem me ajuda, falo sempre direto com Ele. Ele me ajudou sempre, mas agora acho que Ele não quer me ajudar. Eu estava conversando com uma pessoa que me disse para eu não ficar aflita, que talvez Ele tenha um plano melhor para mim.

Qual sua mensagem para o Dia Internacional da Mulher?
É uma homenagem que se presta à mulher, ela merece muito mais e todos os dias. É como o dia das mães, isso é todo dia, a gente faz tudo e um pouco mais, damos a vida por nossos filhos e nossa família.

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