Ricardo Azevedo e o ofício de escrever

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Autor de dezenas de títulos, o escritor, ilustrador e pesquisador Ricardo Azevedo fala sobre seus livros, como incentivar a leitura aos jovens e como é morar na região.

O escritor quer que seus livros sejam lidos, por crianças e por jovens e que adultos possam ler e gostar também. “O que parece ser menos óbvio é que a divisão de pessoas em faixas de idade é, antes de mais nada, funcional e utilitária. Serve, principalmente, para organizar as classes escolares e para determinar fatias de mercado, o que permite a publicidade dirigida e facilita o escoamento dos produtos industriais. Ora, a vida é muito mais complexa do que isso. Um cara de noventa anos, está aprendendo, e como! Creio que, para a literatura, interessa muito mais identificar os pontos comuns entre as diversas idades – as paixões, a corporalidade, a busca do autoconhecimento, a dificuldade de distinguir realidade e fantasia, os medos, os sonhos, os meandros do contato com o Outro, a efemeridade, as utopias pessoais, a construção da própria voz etc. – do que as diferenças. Eu, pelo menos, parto deste princípio para escrever meus textos.

Ganhou vários prêmios, entre eles, alguns Jabutis. Ricardo escreve e ilustra a maioria dos seus livros. Entre eles um que abordou o samba. Segundo o escritor, o texto sempre vem primeiro. “Só depois que estou seguro de que ele está pronto e resolvido começo a pensar nas imagens. Há desenhos que estão no livro para ajudar a criança pequena e pouco alfabetizada a compreender o texto. E com sete ou oito anos, a criança já sabe ler e não precisa mais disso. A partir daí, as imagens, de certa forma, se libertam e podem buscar o que está no texto de forma implícita, trabalhar nas entrelinhas. Trata-se de uma situação muito mais rica pois permite o diálogo entre texto e imagem e o surgimento de mil outras possibilidades expressivas. Neste caso, a soma entre o texto e as imagens pode dar ao livro um significado que não existia no texto e nas imagens vistos de forma isolada. Em outras palavras, o diálogo entre texto e imagem pode e deve ampliar o universo de significação do livro.

Como incentivar os jovens a lerem mais? O escritor apresenta sugestões. “É comum que adultos não leitores, entre eles pais e professores, aconselhem crianças e jovens a lerem. O que ajuda a formar leitores é o contato de crianças e jovens com adultos que de fato sabem utilizar livros em benefício próprio, ou seja, adultos leitores. Todos os bairros deveriam ter uma ou mais bibliotecas com um ótimo acervo, com bibliotecários capacitados e que sejam leitores”.

O primeiro livro “O peixe que podia cantar” (Melhoramentos) saiu em 1980. “quando publiquei meu primeiro livro, vivíamos um momento de expansão das editoras tendo em vista a publicação de livros para crianças e jovens. Tive sorte. Neste momento creio que está mais difícil para um autor iniciante”.

Moço-que-carregou-o-morto-nas-costas-Capa-CP-01ed01Ricardo chama os ‘contos de fadas’ de contos populares. “Quem escreve para crianças não utiliza uma linguagem ‘infantil’ (aliás, nem sei o que é isso) mas, sim, uma linguagem popular, ou seja, acessível à maioria das pessoas, independentemente de classes sociais, graus de instrução e faixas de idade. Essa é a linguagem utilizada nos contos populares. Essas narrativas têm o dom de tratar de assuntos humanos complexos numa linguagem acessível a todos. Neles encontramos, por exemplo, princesas que nascem mudas e recuperam sua voz quando encontram o homem por quem se apaixonam. Mães ou madrastas que, ao notarem que suas filhas cresceram e tornaram-se mulheres, mandam matá-las. São assuntos complexos, são metáforas relativas à vida concreta, apresentadas por meio de imagens e discursos compartilháveis e acessíveis a todas as pessoas, independentemente de faixas de idade e graus de instrução. Não é pouco! Para mim, como escritor, tanto pela linguagem clara, direta e compartilhável, como pelos densos assuntos tratados, os contos populares sempre foram uma referência fundamental.”

Sobre a Cultura e Educação no Brasil, Ricardo cita o educador Anísio Teixeira (1900-1971). “Ele dizia que a questão da educação brasileira equivale a um esforço de guerra exigindo a consciência, o esforço e a vontade política de toda sociedade! É preciso reconhecer que hoje a grande maioria de nossas crianças e jovens infelizmente estudam em escolas fracas (às vezes precisam largar os estudos para trabalhar e ajudar em casa) e dificilmente terão chance de desenvolver sua potencialidade, sua inteligência e sua consciência a respeito da vida e do mundo. Em resumo: em nosso país não se pode, nem de longe, falar em igualdade de oportunidades para todos os brasileiros. Anísio Teixeira propunha uma escola pública de período integral: a criança e o jovem entram de manhã, estudam, fazem a lição de casa com o acompanhamento de professores e saem na fim tarde de banho tomado”.

O escritor mora desde 2009 na região. Para ele, “estou muito feliz com o bairro. Como trabalho em casa, é muito bom viver numa rua tranquila e arborizada. Seria muito legal se a cidade inteira tivesse o conforto do Alto da Lapa”. (GA)/strong>

www.ricardoazevedo.com.br

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