De Ipanema para a Lapa

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Kátia Gomes

Heloisa Eneida Paes Pinto Mendes Pinheiro tem 63 anos, quatro filhos e duas netas. Ficou famosa no mundo inteiro ao ser eternizada em uma das composições mais bonitas da nossa música: Garota de Ipanema. Helô Pinheiro, como é conhecida popularmente, tinha apenas 17 anos quando Tom Jobim e Vinícius de Moraes se encantaram pela bela que freqüentava as areias de Ipanema, Rio de Janeiro.
Na época trabalhava como professora na periferia da cidade carioca. Com a fama repentina surgiram novas oportunidades profissionais, mas Helô sempre esteve muito ligada à família e aos estudos. Depois de muitos anos ingressou na tevê, por méritos próprios, como diz, e se formou jornalista.
Atualmente mora em São Paulo e leva uma vida bem agitada. Cursa o terceiro ano de Direito e divide seu tempo entre a faculdade, as gravações do seu programa “Código de Honra” e os compromissos com sua segunda loja “Garota de Ipanema”, aqui na Lapa, bairro que considera muito acolhedor. Nesta entrevista, você conhecerá um pouco mais de Helô Pinheiro: como vive e o que pensa uma verdadeira musa.
Como a “Garota de Ipanema” veio parar na Lapa?
Sou carioca da gema. Vim para São Paulo para ficar dois anos por conta do trabalho do meu marido. Tivemos que ficar mais tempo para atender as necessidades desta empresa que era uma firma de ferro e aço. À medida que fomos ficando mais tempo os filhos foram crescendo e criando vínculos de amizades. Já estavam totalmente adaptados. Resolvemos ficar definitivamente. Estamos aqui há mais de 20 anos. Abri uma loja no Shopping Villa Lobos, que é pertinho de onde eu moro, no Alto de Pinheiros. Mas o custo era muito alto e também tive problemas com a família do Tom [Jobim] por conta do nome da loja. Em 2000, deu uma polêmica muito grande porque não queriam que eu comercializasse o nome Garota de Ipanema. Sempre tive um cuidado especial para que ele não fosse denegrido. Inocentemente, achei que se eles [Tom Jobim e Vinícius de Moraes] me deram esse presente, eu poderia usufruir de alguma forma. Nunca na vida pedi nada a eles. Nem sou merecedora… E o registro do nome no INPI é meu há anos. Estava guardadinho. Enfim, isso me prejudicou bastante, pois iria ter franquiadores que praticamente sustentariam a loja no Villa Lobos. Como o caso só se resolveria quando o processo terminasse, eu tive que sair de lá para não arcar com os custos de condomínio, fundos de promoção, uma série de encargos. Quando o contrato com o shopping acabou, resolvemos trazer a loja para uma rua. Abrimos a Garota de Ipanema número dois. A um é a do Rio.
A loja do Rio é diferente?
A Garota de Ipanema de lá é pequena e destinada à moda praia. Fica ao lado do bar do Veloso [hoje, Garota de Ipanema] onde Tom e Vinícius se inspiraram para fazer a música. Fica parede com parede. Aqui na Pio XI estamos há quase dois anos e vimos que São Paulo não é como Rio, que tem uma procura muito maior por moda praia. Começamos então a colocar vestidos, jeans, blusinhas, shorts…Demos uma diversificada e é praticamente uma multimarcas na parte de roupas. Da minha grife mesmo ficaram só os biquínis. Tenho uma pessoa no Rio que desenha e confecciona, mas dou as minhas sugestões para incrementar os modelos. Em algumas coisas eu opino, mas não é em tudo. No andar superior da loja também tem um estúdio fotográfico, onde fazemos produções de books e composites.
Como é sua relação com o bairro?
Eu gosto muito. Além de ser pertinho da minha residência, essa rua onde temos a loja é bastante movimentada. Eu tenho uma empatia com o bairro e as pessoas que encontro quando saio por aqui. Sempre me cumprimentam. Me sinto bem amparada.
Seu dia-a-dia é bem agitado.Está sempre as voltas com os estudos…
Além da loja e das gravações do meu programa, faço faculdade de Direito pela manhã. Estou no terceiro ano. Inclusive, comecei o curso para entender esses processos que colocam contra mim. Sou jornalista, professora primária do Estado. Trabalhei no Rio, dei aula para crianças na periferia: Padre Miguel, Realengo, Penha… Fiz curso de psicologia. Depois vim para São Paulo e fiz jornalimo. Me formei em 1987. Adoro estudar. Quando a pessoa vai ganhando idade é importante botar os neurônios para trabalhar. Minha mãe faleceu há pouco tempo de Allzheimer. Fiquei muito intrigada com essa história porque ela se aposentou e parou de trabalhar. Não concordo com isso e estou tentando me ajustar. Também faço dança duas vezes por semana para cuidar da cabeça. Eu preencho o tempo do jeito que eu posso. Não podemos ficar inertes.
Foi nesta época, quando dava aulas para crianças, que se tornou a musa de “Garota de Ipanema”?
Eu era professoranda quando a música explodiu em 1965. Ela foi feita em 1962. Quando a música começou a tocar nos Estados Unidos fez um sucesso tão grande que todos passaram a se interessar por ela. Foi quando me procuraram para fazer uma entrevista para a revista Manchete. O Vinícius, de próprio punho, fez um texto lindissímo dizendo quem era a verdadeira musa inspiradora da canção e entregou à revista que o publicou. Da noite para o dia estava rodeada de repórteres que queriam entrevistar a Garota de Ipanema. Minha avó via tanta gente dentro de casa que dizia: “Ah, minha filha você vai ficar muito rica”. (risos)
Alguma pessoa chegou a reivindicar o título de musa inspiradora?
Vinícius contou que várias pessoas queriam se intitular a garota da canção. Por isso, ele tomou as rédeas e revelou quem era a verdadeira Garota de Ipanema. Achava que não era justo. Inclusive, a Astrud Gilberto, uma cantora bárbara, que foi esposa do João Gilberto, cantava a música nos Estados Unidos. Como ela cantava e era uma garota ainda as pessoas achavam que ela era a Garota de Ipanema. Houve essa confusão também na cabeça dos americanos. Eu ficava quietinha, sempre na minha até que de repente teve o convite da Manchete para encontrar o Vinícius que queria me revelar. Minha família ficou muito assustada. Depois vieram os americanos que queriam que eu gravasse um filme. Meus pais não consentiram que eu fosse para os Estados Unidos.
Ser musa de Tom e Vinícius é algo bem diferente dos dias de hoje em que qualquer um pode ter seus 15 minutos de fama…
Sim. Como essa música fez sucesso no mundo inteiro ela perdurou. Ficou eternizada, mesmo. As pessoas quando ouvem dizem que se lembram de mim. Dá uma certa vaidade, né! Acho que contribuí também para que o Brasil fosse reconhecido lá fora não só pelo futebol, mas pela nossa música. Mas nada me sobe à cabeça, não.
Você já conhecia o trabalho deles antes da música?
Só conhecia de nome. Eles quase não apareciam em lugar nenhum. Tocavam muitas músicas deles nas rádios, mas nem sabia de quem eram. Só depois vim a saber. Eu era muito nova. Naquela época, as meninas de 17 anos tinham uma cabeça muito inocente. Hoje, uma menina dessa idade já é mãe. Acho que a televisão contribuiu muito para esse avanço e para a informação também. A televisão daquela época era diferente.
Consegue imaginar como seria sua vida se não tivesse sido a “Garota de Ipanema”?
Meus pais sempre tiveram um carinho muito grande pela carreira de professora. Tanto é que me formei. Acredito que teria seguido essa carreira. Apesar de sempre ter gostado muito de televisão, teatro… Quando eu fazia balé sempre fazia apresentação de final de ano. Nossa, eu me realizava! Minha mãe via que eu tinha essa tendência artística. Acho que não iria ficar só na carreira de professora. Talvez fosse o meu destino mesmo. Quando meu marido perdeu tudo eu fui para a Bandeirantes e fiz vários comerciais e novelas e não foi como a Garota de Ipanema. Ninguém ligava uma coisa à outra. Me viram gravando um desses comerciais nos estúdios da Bandeirantes e acharam que eu tinha talento para atriz. Daí surgiu o convite para estrear a novela “Cara a Cara”. Depois a Globo me chamou e fiz Água Viva e Coração Alado. Meu filho ficou muito doente e tive que parar minha vida artística no auge para cuidar dele que teve uma oxigenação no cérebro. Minha mãe sempre dizia para eu voltar para a televisão como apresentadora porque era algo que eu gostava e não tomava tanto tempo como novela. Apresentei o “Ela” para a Bandeirantes, “Alô Hello” transmitido pela TV Capital de Brasília, o “Batendo papo no banheiro” da TV Gazeta, “Som da tarde”, do SBT. Fiz um programa de entrevista para a TeleMiami. Gravava aqui e mandava a fita para lá. Foi quando eu senti a necessidade de ser jornalista. Tinha a impressão de estar tomando o lugar de um profissional qualificado. Agora estou fazendo um programa na TV Justiça, chama-se “Código de Honra”, transmitido pelo canal 06 da Net e 69 da TVA toda quinta-feira, às 18h30, com reprise aos sábados de manhã.
E teatro?
Já fiz algumas peças: “Os amores de Casanova”, “O pequeno príncipe”, “A raposa e a cobra”. Estive em temporada entre o final de 2004 e comecinho do ano passado com “Francisco e Clara”. Foi um espetáculo lindo, mas não penso em voltar agora. Nos finais de semana vou para o sítio ou para o Rio com meu marido e meu filho.
Você continua organizando o Concurso Garota de Ipanema?
Não.Com estes problemas com a família fiquei desestimulada. Era até uma forma de manter viva a memória de Tom e Vinícius. Da maneira como eu divulgo, quem ganha? É a família, pois vendem mais discos. Acho que o concurso reforçava e deixava em evidência a música e a imagem deles. Depois de vários anos produzindo e apresentando o concurso resolvi parar.
Fora o processo, existe algum inconveniente em ser a eterna “Garota de Ipanema”?
É a cobrança das pessoas. Não se pode envelhecer. O “garota” te tacha ser sempre uma garota. É um estigma. O tempo passa. Não estou aqui para ficar fazendo plásticas. Até agora não tive coragem de fazer. Quem sabe, um dia… As pessoas cobram e querem que seu rosto seja sempre jovem. Minha alma é jovem!
Como se vê daqui a dez anos?
Se estiver viva e bem financeiramente, gostaria de viajar bastante e descansar um pouco. Sou muito agitada e já trabalhei bastate. Desde os 14 anos dou aulas particulares. Querer ter o corpo de garotinha não tem condições. Os hormônios não darão conta disso. A vaidade se adapta à idade e é preciso aceitar e conviver com a aparência que se tem de uma forma saudável.

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