21 de setembro é o Dia da Luta Nacional das Pessoas com Deficiência. Ninguém melhor para falar sobre esta luta do que a vereadora Mara Gabrilli. Aos 40 anos, Mara já tem muitas conquistas contabilizadas. Há 14 anos, ela sofreu um acidente de carro que a deixou tetraplégica. Esta nova condição de vida não a impediu de lutar por ela mesma e pelos outros.
Em 1997, Mara fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP) para promover pesquisas para cura de paralisias e projetos de inclusão social para atletas com deficiência. A ONG se expandiu e transformou-se no Instituto Mara Gabrilli, que tem a PPP como um de seus braços, apoiando cerca de 80 atletas que competem em modalidades do paradesporto no Brasil e no Mundo.
Mara foi a primeira titular da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SMPED) da Prefeitura de São Paulo, criada em abril de 2005. Até fevereiro de 2007 ela desenvolveu projetos nas áreas de infra-estrutura urbana, educação, saúde, transporte, cultura, lazer e emprego. Mara também já conseguiu que três leis suas fossem aprovadas. Uma delas cria a Central de Intérpretes de Libras e Guias-Intérpretes para Surdocegos (Lei 14.441/07). Outra cria o Programa Municipal de Reabilitação da Pessoa com Deficiência Física e Auditiva determinando a implantação de novos serviços de reabilitação nas 31 subprefeituras da capital (Lei 14.671/08), e há ainda o Plano Emergencial de Calçadas (PEC), que permite que a Prefeitura revitalize as calçadas em vias estratégicas onde estão localizados os diversos equipamentos públicos e privados essenciais à população – correios, escolas, hospitais, etc (Lei 14.675/08).
O Guia Daqui Lapa / Leopoldina conversou com Mara Gabrilli, que também é membro do conselho administrativo da Associação dos Amigos da Estação Especial da Lapa.
A luta das pessoas com deficiência por melhores condições de vida tem sido eficaz?
Tudo que foi conquistado até agora veio dessa luta, dos familiares das pessoas com deficiência e das entidades que se formaram em favor dessa causa. Até ao ponto de chegar a ter uma secretaria municipal, que foi o primeiro grande passo do Poder Público para entrar na briga. Mas tudo começou com a luta individual de cada pessoa, com a determinação e até mesmo com a demanda. As pessoas com deficiência começaram a perceber as necessidades que tinham no dia a dia e passaram a lutar para ter mais qualidade de vida.
Você tem vários projetos e algumas leis já aprovadas que beneficiam as pessoas portadoras de deficiência. Vê essas leis sendo aplicadas e os projetos desenvolvidos?
Sim, estou vendo. Uma das leis obriga a prefeitura a criar uma central de intérpretes de libras para surdos e intérprete para surdo-cegos. Já foram contratados os intérpretes e já foram compradas 450 câmeras que irão ficar nos Telecentros, nas unidades de saúde, nas praças das subprefeituras. Alguns treinamentos estão sendo feitos, ou seja, é uma prova de que a central está sendo criada. Outra lei institui os Núcleos Integrados de Reabilitação (NIR) e os Núcleos Integrados de Saúde Auditiva, que nada mais é do que o serviço municipal de reabilitação. Hoje, o NIR já tem 30 unidades. Ainda tem que ter muito mais, porque a lei obriga a ter um por subprefeitura. E tem subprefeitura que tem mais de um e subprefeitura que não tem nenhum. A terceira lei, que é a que todo mundo chama de Lei Mara, é a lei das calçadas. A lei permite que a prefeitura faça calçadas onde antes ela não podia e ainda obriga a prefeitura a fazer calçadas nas rotas estratégicas.
E a Lapa? Você conseguiu alguns benefícios para o bairro também, como a reforma das calçadas da rua 12 de Outubro.
A Lapa é o bairro da família da minha mãe. Sim, as calçadas na 12 e o equipamento na Vila Piauí, que foi a AMA (Assistência Médica Ambulatorial). No dia em que eu fui fazer a primeira vistoria na 12 de Outubro, fui abordada por uma senhora de uns 70 anos, muito bonita. Ela chegou com um abaixo-assinado e me falou que as crianças adoeciam na Vila Piauí e tinham que ser levadas para Osasco ou morriam. Não tinha assistência nenhuma ali. Peguei o abaixo-assinado e fui trabalhar. Comecei em setembro de 2007 e conseguimos inaugurar a AMA em maio. Foi um tempo recorde, a AMA está maravilhosa.
O que acha que precisa melhorar no bairro?
Tem muita coisa, sem dúvida. A Lapa é um bairro que pode ter vida própria. O Gadelho (Marcos Duque Gadelho), que é o subprefeito da Casa Verde, tem um projeto muito interessante que é criar uma agência de desenvolvimento pra região. E ter uma incubadora de empresas para que a gente consiga capacitar pessoas de lá para que elas façam empreendimentos no local mesmo. Concentrar determinadas questões na própria Lapa. O bairro tem tudo, toda infra-estrutura para as pessoas nem saírem de lá. É uma forma de se investir no próprio bairro. Acessibilidade, sim, tem que melhorar. E agora tem muitos empreendimentos imobiliários nascendo pela Lapa, Pompéia… Além de tudo tem lugares que são muito íngremes, precisam de cuidados especiais.
“As pessoas falam de deficiência hoje com mais naturalidade e menos piedade”. Essa frase é sua. Você acredita que haja mesmo menos preconceito em relação as pessoas com deficiência?
Olha, muita vezes eu acho que não é nem preconceito, mas falta de cultura, falta de hábito de conviver com essas pessoas, falta de informação… Quanto mais elas virem os deficientes por aí, mais as pessoas vão se familiarizar com a questão. Acho que as pessoas estão começando pelo menos a perceber que este segmento existe; a maioria não tem noção da dimensão disso.
Só em São Paulo são 3 milhões de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, não é?
Sim. E qualquer pessoa que viaje, que vá para um país mais desenvolvido vê tantas pessoas com deficiência que acha que no Brasil quase não tem. Na verdade não é que não tem, é que eles não saem mesmo por causa dos problemas de acessibilidade. Mas hoje temos um transporte no município de São Paulo que pode ser considerado referência. Temos 3 mil ônibus acessíveis, e este número está crescendo. A meta é chegar a 15 mil, que é a frota de São Paulo.
E esses ônibus circulam pelos quatro cantos da cidade?
Sim, tem pelo menos três por linha. E hoje também já temos 400 quilômetros de calçada e ainda precisa fazer mais. E o município vem crescendo na educação inclusiva, formando professores, professores itinerantes. Estamos conseguindo aumentar o número de alunos com deficiência dentro da rede. Isso é o básico. Se a criança começa, desde pequena, a conviver com outra que tem deficiência, ela não vai formar esse preconceito, essa barreira de atitudes que a gente fica se descabelando para desmontar nos adultos. Estamos conseguindo trabalhar na base, que é a criança e a família. E isso parte muito da escola. Tudo bem que temos 1500 escolas e dessas 360 tem acessibilidade. Mas tem um cronograma de adequação, e é o mínimo. E hoje temos que estender este olhar para ambos os setores, tanto o público quando o privado. Segundo o Decreto Federal, expirou o prazo para ambos fazerem acessibilidade. É lei. Tem que fazer. A gente consegue entender que a cidade não foi planejada, as escolas não são acessíveis. O que não dá para entender é não ter boa vontade para fazer. Uma outra questão que demonstra a queda do preconceito é que a gente conseguiu empregar mil pessoas com deficiência, com carteira assinada, na cidade de São Paulo. Isso é importante porque está sendo feito um incremento econômico na vida da pessoa, tira ela da exclusão e cria consumidores. Não é só responsabilidade social, mas o dono da padaria que faz uma rampa de acesso, vai aumentar o seu faturamento e melhorar a situação dessas pessoas na cidade. Isso graças a Lei de Cotas. Para você ter uma idéia, em 2001, havia 100 pessoas, no Estado de São Paulo, trabalhando com carteira assinada. Hoje, 2008, têm 80 mil. E ainda há 130 mil vagas disponíveis.
E ainda tem o esporte. Vários atletas foram para os Jogos Paraolímpicos de Pequim com o apoio da PPP.
Sim. Quando fui secretária aprendi que é preciso investir em esporte e em cultura. Não adianta fazer só um grande investimento em transporte, por exemplo. Se não investir em outras coisas, e deixar todos os ônibus acessíveis, as pessoas não terão para onde ir. Tem que investir em tudo ao mesmo tempo. Pode parecer exagero, mas enxergo a cultura e o esporte com a mesma importância do transporte e da educação, porque eles são ferramenta de inclusão. Se você consegue fazer o cara praticar um esporte onde ele não tem limites, ele assume papéis que não exigem dele determinadas condições físicas ou psicológicas. Enfim, ele está lá exercendo um papel que pode exercer super bem, se superar e ser melhor que o outro que está ali. E isso é básico para ele ser um cara bacana no trabalho, para ele se sair bem na escola, para ele ter vontade de pegar um ônibus. E quase todos os equipamentos municipais estão acessíveis e com equipes fazendo visitas monitoradas. Agora estou brigando para que seja aprovada uma trilha para as esculturas no Parque do Ibirapuera.