No comando do Procon desde 2011, Paulo Arthur Leoncioni Góes é funcionário de carreira e diretor executivo do principal órgão de defesa do consumidor. Advogado formado pela Universidade Paulista, é lapeano de nascimento e morador do bairro desde sempre.
Nesta entrevista, ele analisa a lei 8.078, de 1990, que criou o Código de Defesa do Consumidor, que se tornou uma ferramenta para regular as relações de consumo. Também comenta sobre o comportamento das empresas e dá dicas valiosas de como o consumidor pode evitar problemas com empresas e prestadores de serviço.
Passados 23 anos, o Código de Defesa do Consumidor continua atual?
É uma das legislações mais avançadas do mundo em matéria de proteção ao consumidor. São vários os motivos. No processo de elaboração, a lei foi muito bem concebida. Foi conduzida por pessoas com notório saber, que formaram o Conselho Nacional. A participação dos diversos setores da sociedade brasileira nas discussões, o papel do Congresso Nacional, resultou em uma lei com princípios e conceitos muito claros e bem definidos na relação de consumo e que dialoga com outras normas. Desse modo, a lei está sempre atual. O forte do Código do Consumidor são seus princípios. A boa fé entre as pessoas, a transparência nas relações, as responsabilidades, a vulnerabilidade do consumidor. São pilares desse sistema que continuam atuais e fortes.Mas nesse tempo surgiram outras formas de consumo, como a internet.Há 23 anos não se falava em internet e no mundo virtual. Ou mesmo do fenômeno do consumo, do acesso facilitado ao crédito, que resulta num superendividamento das pessoas. Hoje, há uma comissão de juristas, e alguns deles participaram do processo da elaboração do Código, que se propõe a fazer alguns ajustes e mudanças pontuais na lei, mantendo, claro, seu princípio.
Quais serão as principais novidades?
O superendividamento, que é aquela situação em que o cidadão não tem mais como honrar suas dívidas sem prejuízo de sua própria sobrevivência. Muito pode ser debitado à publicidade, ao marketing e à facilidade de acesso ao crédito. O consumo, hoje em dia, se faz mais pelo desejo do que pela necessidade. É mais emoção do que razão. Eu diria até que isso nos deseduca. Não há em contrapartida, uma atuação consistente no sentido de educar e orientar pessoas em consumir. Na verdade, existem entidades como Procon, Idec, Proteste, que têm serviço ao consumidor nesse sentido. Mas é preciso que aconteça uma união de esforços entre os governos e a sociedade voltada a orientar as pessoas a consumir com mais critério e fugir das armadilhas.
O cartão de crédito é uma delas?
Ele era um serviço ou produto restrito a um grupo seleto de renda e instrução. Com a popularização e a amplificação do cartão de crédito, que é muito positivo para a economia, as pessoas com menos renda tiveram acesso aos cartões, mas não tiveram uma orientação na hora de usar e conseguir tirar melhor proveito e benefícios. O cartão de crédito e o comércio eletrônico são pontos que estão sendo tratados na atualização do código pela comissão. Outra coisa que está sendo tratada pela comissão é sobre a tutela coletiva das ações civis públicas, que será aperfeiçoada. É importante que a sociedade acompanhe e participe dessa discussão.
O código não corre perigo de sofrer um retrocesso?
Ele é uma conquista da população brasileira e é preciso que se acompanhe nesse processo para que não haja nenhum retrocesso ou de perdas de alguma dessas conquistas. O código é uma lei que pegou porque vai ao encontro dos anseios e expectativas da população. Seja de consumidores como também entre fornecedores.
Quando foi aprovado, havia empresários que reclamavam que ele seria prejudicial aos negócios?
Há 23 anos, o Procon recebeu a diretoria da Associação Comercial de São Paulo, que dizia que o Código do Consumidor iria quebrar as empresas. Depois de todo esse tempo, nenhuma empresa quebrou por causa dele. Ele é bom para as empresas porque criou um ambiente mais justo de competição entre elas. Não é possível aceitar que o lucro venha de práticas que coloquem em risco a segurança, a saúde das pessoas. As empresas sérias querem competir com justiça e para essas o código veio em boa hora.
Os empresários estão adequados?
Eu diria que nestes anos de existência do Código, houve avanço por parte dos empresários. Há uma maior consciência e respeito em relação aos consumidores brasileiros. É preciso atender às demandas dos consumidores. Mas ainda não estamos no estágio de outros países, onde os consumidores têm um atendimento melhor e têm seu problema resolvido no Procon local ou no poder judiciário. É preciso que o empresário veja no Código uma oportunidade de ter um diferencial competitivo a seu favor, fazer disso uma bandeira. O empresário de visão não se contenta apenas em cumprir a lei. Ele vai além. No setor do varejo, tradicional ou on-line, a disputa se dá no preço e também no atendimento. O relacionamento e a experiência de consumo que a empresa pode gerar em seu consumidor podem fazer a diferença que vai aumentar sua participação no mercado. Os preços dos eletrodomésticos e de alimentos, por exemplo, se parecem e o mercado é muito disputado.
As empresas estão preparadas para atender aos problemas de consumo?
Como consumidores, vivemos dois mundos. O primeiro é o mundo da venda, onde tudo é lindo e perfeito. O outro é o mundo do pós-venda. Quando você precisa de explicação sobre um produto, quer trocar ou devolver, aí geralmente é um jogo de empurra. É essa mentalidade que precisa mudar, principalmente no varejo. A empresa precisa ser um aliado do consumidor que, quando compra um produto ou service, quer que ele funcione. Mandar o consumidor falar com a assistência técnica ou reclamar com o fabricante não é a atitude correta. É preciso que o varejista resolva. Quem está resolvendo vai aumentar seu mercado e conquistar mais clientes.Empresas mundiais muitas vezes têm um tratamento diferente para o consumidor brasileiro e outro no exterior. Como solucionar isso?É uma crítica que se faz às empresas que têm uma atuação mundial. Existe, muitas vezes, um tratamento diferente nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. O consumidor brasileiro deve ser tratado com o mesmo respeito, ética e consideração dos outros, seja da Europa ou dos Estados Unidos. E precisamos denunciar ao público empresas que têm tratamento diferenciado. A sociedade brasileira ainda está em processo de amadurecimento em relação ao consumo e precisa se conscientizar de seus direitos e obrigações. O pior castigo para uma empresa é ser esquecida pelo cliente. O poder do consumidor está na sua liberdade de escolha. O consumidor deve deixar de lado as empresas que não o respeitam. E hoje temos a internet, onde as informações se espalham muito rapidamente e as empresas monitoram isso, mas precisamos usar essa ferramenta com ética e responsabilidade a nosso favor.
Que empresas se deve evitar?
Empresas que não respeitam o meio ambiente, que não cumprem prazos, que não têm um serviço de atendimento ao cliente, que utilizem trabalho escravo.
Como saber quais empresas e quais problemas apresentam?
No site do Procon, temos informações que são atualizadas das empresas e os problemas que geraram a reclamação e como elas resolveram as pendências. Até o ano passado, o Procon publicava essa informação com certa defasagem. Hoje, o site é atualizado diariamente. As empresas estão listadas por nome e segmento. Temos um ranking das 30 empresas que mais receberam reclamação, que representam mais de 70% das reclamações. Abaixo de 30, as reclamações se pulverizam demais. Mas temos também um ranking das soluções por empresas. É uma ferramenta importante para o consumidor.
Que segmentos têm mais reclamação?
São as empresas que oferecem os serviços regulares de telecomunicações, telefonia fixa e celular, TV por assinatura, serviços financeiros que são regulados pelo Banco Central, reclamação de abuso na cobrança de tarifas indevidas no crédito consignado, que atingem principalmente os aposentados, e o e-commerce.
E os problemas pela internet?
Os cuidados básicos são os mesmos tomados em qualquer consumo: não acredite em milagres. Ofertas e preços muito baixos, desconfie. E na internet, desconfie mais ainda. Regra básica: não compre por impulso. Qualquer um recebe incontáveis ofertas e há muita publicidade, principalmente nos sites de compra coletiva. O consumidor, antes de contratar esse serviço, deve refletir. Ao fazer isso, evita-se problemas futuros. Procure saber mais sobre as empresas. O Procon publica no site uma lista de sites que recomendamos não comprar. Na dúvida, ligue para o Procon. Verifique na internet o que andam falando dessa empresa. Veja se ela tem um SAC e se ele funciona. Muitas vezes, não tem ninguém para atender. Confira se a empresa tem CNPJ válido.
Qual é a responsabilidade dos sites de compras coletivas?
Eles também são responsáveis pelos serviços oferecidos pelas empresas. O site é responsável também no caso de um reembolso ou na solução de um problema.
O Procon recebe reclamações dos serviços públicos?
Só recebemos reclamações de serviços públicos remunerados. Os demais não caracterizam uma relação de consumo. Mas o cidadão de São Paulo é um exemplo. Somos o primeiro Estado a criar a lei de defesa do usuário do serviço público, que criou as ouvidorias. O cidadão pode reclamar do serviço público nas ouvidorias. Até quem não ficar satisfeito com o serviço que prestamos, pode reclamar na nossa ouvidoria. Estamos num estágio mais adiantado.
Já teve problemas de consumo?
Tive problema com a minha prestadora de TV por assinatura. Eu era cliente de muitos anos. Quando tive um problema, não gostei da solução que eles me apresentaram, que não foi uma solução. Simplesmente troquei de operadora. O azar é dela, que perdeu um cliente de longa data e hoje faz publicidade negativa para seus amigos.
Como é ser diretor do Procon?
Entrei em janeiro de 1992, como auxiliar de escriturário. Sou diretor executivo desde 2011 e fui reconduzido neste início do ano para mais um mandato. Sou funcionário de carreira concursado. Destaco o corpo de funcionários do Procon pela dedicação e comprometimento. Me orgulho muito de fazer parte da instituição.
Temos o que comemorar no dia 15 de março, o Dia do Consumidor?
Devemos, sim, comemorar. Não podemos baixar a guarda. É um dia para se comemorar e exercitar sempre.
Qual é a sua ligação com a Lapa?
Sou lapeano desde o nascimento, assim como meus pais e avós. Minha família teve comércio aqui. Morei muito tempo na R. Catão e outros endereços e hoje moro num conjunto residencial na R. Corrientes. (GA)