A arte de uma lapeana

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Carmen Gebaile

Carmen Gebaile é uma típica lapeana. É filha de lapeanos e mãe de três outros lapeanos. As vésperas de a Lapa completar 421 anos, o bairro acaba de inaugurar bem no início da Rua Guaicurus, na Praça dos Inconfidentes, o Marco da Lapa, no dia 10 de setembro, criado por ela, que mora e tem ateliê no bairro. Formada em filosofia, foi nas artes plásticas que Carmen encontrou sua verdadeira vocação. Participou de várias exposições individuais e coletivas, entre elas no Tendal da Lapa e no Sesc da Avenida Paulista. Recebeu diversos prêmios em sua carreira (Prêmio Vanguarda Brasileira, Prêmio Brasil Contemporâneo de Artes Plásticas, entre outros). Nesta entrevista, realizada em seu ateliê,  Carmen conta o que é ser lapeana, fala sobre sua trajetória artística e contaonde estão expostos os seus trabalhos aqui na cidade e pelo mundo.
 
Conte um pouco de sua história pessoal. Como você começou a desenhar e pintar?
A família Gebaile é de origem sírio-libanesa. Meu nome completo é Carmen Silvia de Melo Gebaile. Estudei filosofia na PUC-SP. Meus estudos se basearam em Letras e Filosofia. Desde criança eu sempre gostei de desenhar. Minha mãe também pintava e desenhava. Eu acabei tendo essa queda pela arte. Mas só fui desenvolver este meu lado artístico anos mais tarde. Depois de casada, fui fazer uma série de cursos e fui me estruturando de maneira e acabei decidindo pelas pelas artes plásticas.

Antes de ser artista plástica, você chegou a dar aulas de filosofia e história da arte?
Sim. Mas na verdade, embora formada eu nunca trabalhei como filósofa. Cheguei a dar aulas de história da arte no Authos Pagano, aqui na Lapa, durante um tempo.
 
A Lapa está muito presente em sua vida?
Sou lapeana. Nascida na Rua Dronsfield. A minha mãe é lapeana também. Meu pai é de Ribeirão Preto (SP) e chegou aqui no bairro bem jovem, sempre viveu por aqui, onde conheceu minha mãe e acabaram se casando. Eles tiveram três filhos e eu sou a filha mais velha. Sou casada com um lapeano, Edson Gebaile, que é lojista aqui no bairro. Ele é dono da Antoninho dos Esportes. Os meus três filhos eu também considero lapeanos, embora eles tenham nascido na Maternidade Pro Matre. Gosto demais daqui da Lapa e sou bairrista. Moro e trabalho aqui no bairro. Estou a dez minutos da minha casa até aqui no meu ateliê.
 
Como você começou sua carreira de artista plástica?
Durante um tempo fui design de de joias. Nas artes plásticas, comecei a trabalhar com madeira, metais e outros materiais. Fiz cursos de pintura com Carlos Arias e também com a Lúcia Py, que além de ser uma ótima artista plástica é minha amiga. Com ela além de cursos, participei de vários projetos e outros trabalhos. Fomos desenvolvendo uma série de coisas juntas. Atualmente participo de um projeto chamado Procoa – Projeto Circuito Outubro Aberto. O projeto foi sugerido em 2006 pela curadora Risoleta Córdula, falecida em 2009, que era crítica de arte e tinha um escritório em Paris (França). A partir daí a coisa foi se desenvolvendo e o projeto foi se reestruturando cada vez mais. Atualmente somos dez artistas participantes do Procoa. 
 
Vocês já fizeram algumas exposições aqui no Tendal da Lapa.
Correto. O Procoa promove neste mês de outubro uma exposição coletiva no Tendal da Lapa (Rua Guaicurus, 1.100, Lapa). A abertura será no dia 11 de outubro e fica até o final do mês. O Procoa é um grupo de artistas plásticos independentes e cada um  de nós tem uma trajetória diferente e  se juntam para viabilizar exposições como esta que acontece no Tendal da Lapa.
 
Qual será o trabalho que você vai expor no Tendal da Lapa?
Vou apresentar um trabalho mais conceitual que é o que o espaço do Tendal pede. É uma instalação, uma ocupação de espaço. O trabalho já está criado.
 
Você trabalha com várias linguagens. Alguma preferida?
Trabalho com várias técnicas e materiais. Comecei pintando telas. Depois passei para as esculturas, que eu adoro fazer. Também gosto de mexer com alumínio, resina e outros materiais. Na realidade, tanto a escultura, a pintura, as instalações, e todas essas técnicas estão interligadas dentro de um conceito geral do meu trabalho. Não é uma coisa aleatória.

Os seus pés são figuras constantes em seus trabalhos. Tem uma explicação?
É verdade, os pés são signos repetitivos em minha obra. Diria que o ser humano tem um caminho a percorrer e normalmente a gente sempre deixa marcas. Então eu estou deixando a minha, meus pés. Eu procuro esse caminho, essa trajetória. 
 
Como você se define seu trabalho de artista plástica?
Sou uma artista contemporânea e busco algo que me preencha e que preencha o conceito que eu estou buscando no momento. É meio complicado explicar isso. Muitas vezes dizem que algumas das minhas  telas que produzi lembram ou remetem ao surrealismo.

Quais os artistas que inspiram ou influenciaram seu trabalho? Cite alguns deles.
Um deles é o Salvador Dali (1904-1989), outro é Pablo Picasso (1881-1973). Gosto também dos clássicos, como Michelangelo (1475-1564). E dos mais contemporâneos, gosto de Van Gogh (1853-1890). Mas também gosto dos trabalhos produzidos pela Lucia Py.

Seu ateliê é um espaço muito bonito. Ele pode ser visitado?
É um espaço bem organizado e bonito. Aqui faço um trabalho de laboratório. Na realidade eu deixo meus trabalhos expostos para que eu consiga ver todos os trabalhos que eu produzo. Recebo aqui muita gente que quer conhecer meu trabalho. O ateliê está aberto à visitação, mas é preciso agendar a visita através do meu e-mail.
O que você acha dos grafites espalhados pela cidade.
Não sou adepta ao grafite. Acho que tem coisas interessantes e também acho que tem muita coisa que embora classifiquem como arte, eu não sei… Acho que tem algumas ressalvas. É preciso ter conhecimento de arte para você poder sair por aí e fazer e desenvolver a arte na rua. Acho que as pessoas abusam do direito de se dizer artistas e exercer seu direito de expressão e acabam destruindo algumas coisas. O grafite que foi feito aqui ao lado do meu ateliê, foi feito por um artista que pediu autorização para pintá-lo. Eu acho ele interessante. Tem outros grafites interessantes por aí. Um deles é o trabalho que existe no túnel que liga a Avenida Dr. Arnaldo e a Paulista, do Ruy Amaral (morador da Lapa). Os Gêmeos também fazem um trabalho bem interessante e até já foram grafitar fora do país. Acho isso bacana. Só não gosto da destruição do que não é seu.
 
Mas você já fez seus performances em locais públicos?
Sim. Já fiz performances em Paris, em São Paulo e em Campinas. Foram performances de arte de rua. 
 
A presidente Dilma Rousseff recentemente esteve em Nova York e visitou um museu daquela cidade. Mas isso parece não ser muito comum por aqui. Os brasileiros não gostam dos seus museus?
Acho que é um problema cultural. Precisamos incutir essa cultura nas crianças e nos adultos. A cultura precisa ser mais difundida. A arte faz parte da cultura de um país de uma maneira estética. Com mais cultura, aumenta a sua bagagem de conhecimento e abre a sua cabeça para outras artes. Para os europeus isso é mais comum. Desde a infância, as crianças lá, crescem com a cultura de ir a museus. O brasileiro ainda não cultivou isso. Mas, Graças a Deus, estamos melhorando. 
 
Mostras como a do Rodin e outros artistas lotam e atraem muita gente e no resto do tempo, os museus recebem um público pequeno em relação à população da cidade. Tem explicação?
Isso também está mudando. Meu netinho de cinco anos já está aprendendo sobre os clássicos na escolinha dele. Ele fala sobre Renoir e eu adoro isso. É uma coisa que precisa ser aprendida quando pequeno. Acho que precisamos aprender a gostar de museus.
 
As exposições das quais você participou, quais você destacaria?
Foram muitas. A primeira, se não me engano, foi em uma galeria na Praça Roosevelt. Era uma coletiva e levei minhas telas. Depois fiz outras aqui no Brasil e no exterior. Participei de uma exposição paralela à Bienal de São Paulo em 1998. Já participei de uma exposição de artes gráficas em 2004, em São Petersburgo (Rússia), mas infelizmente não pude ir, só mandei meus trabalhos. E o trabalho foi adquirido por eles e está no acervo do museu. Na maioria das minhas exposições, eu vou junto. Até na China fiz exposição dos meus trabalhos. As exposições servem para divulgar o trabalho e criar público.

Em São Paulo, onde encontramos seus trabalhos expostos?
Tenho dois trabalhos no acervo da Assembleia Legislativa de São Paulo. Uma tela que está, ou estava, na ante-sala do auditório e uma escultura, Bicho Onte, que está no jardim da Assembleia, no Ibirapuera. É de cimento armado e é bem grande. Ali é um cartão de visitas da cidade e precisa ser bem cuidado. Felizmente na última vez que estive lá, minha escultura estava em ordem. Tenho obra minha no Museu de Arte Contemporânea. E agora o Marco da Lapa, no início da Rua Guaicurus.

Que significa o Marco da Lapa para você?
Fiz o Marco da Lapa a convite do José Bonelli, falecido neste ano. Estudei mais sobre a Lapa e seu histórico. Lapa é o nome de uma gruta e eu fiquei imaginando como seria essa gruta. Idealizei uma estrutura que me parece representar a Lapa. É um dos meus trabalhos queridos.
 
Como você define a Lapa?
Acho que o bairro é muito característico nesta minha vivência de muito tempo. Atualmente está crescendo bastante e é só ver a quantidade de prédios novos e bonitos que estão surgindo. Acho isso bom para toda a região. O progresso tanto pode ser muito bom como pode agredir. Ele traz uma série de consequências: mais gente, mais trânsito, mas também traz evolução, o comércio cresce e é preciso ter uma estrutura para absorver tudo isso. (GA)

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