O rosto pintado com “Fora
Collor” de Cecília Lotufo apareceu em 1992 nos principais jornais de
São Paulo pedindo a saída do então presidente Fernando Collor. Virou
musa e passou a ter uma vida engajada em ações sociais e políticas.
Hoje, passados dezesseis anos, a administradora de empresa e mãe de
dois filhos – Alice e Antonio –, moradora em uma vila no Alto da Lapa,
iniciou um trabalho com a comunidade para a recuperação de praças. A
“inspiração” veio de um pedido da filha Alice, que queria fazer sua
festa de aniversário na praça. Cecília reuniu amigos e moradores e a
festa aconteceu para a felicidade da filha. Mas aí, ela e os moradores
sentiram que era hora de recuperar esses espaços públicos para a
comunidade. Surgiu o movimento Boa Praça que promove piqueniques uma
vez ao mês. Nesta entrevista, Cecília conta como foi que tudo aconteceu
e que está servindo de inspiração para outros grupos de moradores na
cidade.
Você nasceu aqui na Lapa?
Nasci na Vila Beatriz. Estudei no Oswald de Andrade, da Cerro Corá. Foi nessa época que participei do “Fora Collor”.
Como aconteceu o seu envolvimento com a Praça François Belanger?
Começou
quando a gente costumava frequentar uma praça aqui pertinho de casa, na
Rua Araioses, que é uma rua estreitinha e tem uma praça que eu e a
minha filha Alice passamos a caminho da escola dela. Nós cortávamos o
caminho passando pelo meio da praça todos os dias. E aí um dia,
passando na praça, estávamos conversando sobre o aniversário dela – 15
de setembro – que estava próximo. Eu perguntei: ‘E aí, Alice, seu
aniversário está chegando, o que nós vamos fazer? Uma festa?’. Nesse
momento a gente estava no parquinho da Praça François Belanger e ela
respondeu ‘Eu quero fazer o meu aniversário aqui’!
E o que você fez?
Eu
respondi que não sabia se seria possível, porque tinha muito mato na
praça. E o parquinho estava superdetonado, tinha muita sujeira. A Alice
até tinha acompanhado que o gira-gira estava quebrado, o balanço
também… Ela respondeu: ‘Ué mãe! Vamos consertar! A gente arruma tudo
e faz a festa’. Na mentalidade dela, de criança, é bem simplista, tudo
pode, tudo dá.
Sua experiência em outras organizações ajudou?
Sou
fundadora de uma Organização Não Governamental (Kairós), embora eu não
atue mais diretamente na ONG. E essa ONG tem por conceito educação para
o consumo responsável. E esse conceito é muito importante para mim.
Quando me tornei mãe, embora eu não atuasse tanto no Kairós, esse
conceito se tornou muito mais importante para mim.
E você associou seu papel de mãe com o de consumidora…
Existe
uma ‘máfia’ em torno das crianças que é muito complicado. A quantidade
de presentes que elas ganham… Só o número e a quantidade de
embalagens que embalam os presentes é um verdadeiro absurdo. Fora isso,
o próprio presente, muitas vezes, é superdescartável. Vira lixo
rapidamente. É um excesso de estímulo ao consumo. Quem pode acaba
ganhando muitos presentes, além da conta. Acaba não se focando em nada.
Geram complicações… É demais…
Mas as pessoas gostam de presentear as crianças…
É,
mas muitas vezes, as pessoas se sentem obrigadas a dar presentes às
crianças. ‘Tenho que comprar presentes’. E se eu falar para os
coleguinhas dela ‘não dá presentes para ela’, ela me mata. É uma coisa
que já vinha incomodando eu e meu marido. ‘Como vamos fazer essa
questão dos presentes?’ Tanto para receber como para dar. Afinal, a
gente não tem tanto dinheiro para ficar gastando nisso.
Voltando ao pedido de sua filha sobre a pracinha…
Minha
filha falou que a gente deveria consertar os brinquedos… Respondi que
poderia ser, e poderíamos tentar consertar o parquinho, e como a gente
iria precisar de muita ajuda, combinei que ela deveria combinar com os
amiguinhos que em vez de cada um dar um presente, todo mundo iria se
unir e consertar o parquinho para ela, Alice. Ela aceitou a proposta.
Ela achou que fazia sentido e o presente dela seria o parquinho novo.
Quando foi isso?
Em 2008.
E a Alice topou sem maiores transtornos?
Sim. E nós pedimos para todo mundo ajudar.
Deu muito trabalho recuperar o parquinho?
Bom,
eu não sabia por onde começar. A primeira coisa que fiz foi falar com a
subprefeitura da Lapa. Acho que rolou muito rápido. O desejo dela, a
energia que rolou foi muito interessante. Isso acabou movendo tudo
muito rápido. Falei com o chefe de obra. Expliquei o que a gente
queria. Havia um orçamento e ordem de serviço para a praça… e calhou
que a gente entrou nessa dança. Eu me comprometi com a festa. Foi muito
mais legal fazer uma festa pública do que uma festa privada, em um
lugar fechado.
Quem vocês convidaram?
Muita gente. Convidei todos os meus vizinhos para participar dessa comemoração.
Quanto tempo levou a recuperação da praça?
Um
mês. A prefeitura trabalhou certinho. Acompanhei todo o trabalho. Eu ia
diariamente à praça ver o andamento do serviço. A prefeitura cuidou do
paisagismo, refizeram o parquinho, instalaram brinquedos novos,
pintaram os muros que estavam pichados, colocaram um novo portão na
praça… E convidei além dos amiguinhos da Alice, os amigos e a
comunidade.
E o pessoal compareceu para ajudar?
Eu
explicava o que tínhamos feito, o que a prefeitura estava fazendo na
praça e perguntava: ‘O que você vai dar de presente para a Alice e para
a praça?’ E daí o pessoal começou a criar ideias para a praça. Um amigo
que trabalhava em uma gráfica fez os convites. Outro que trabalha em
uma produtora se comprometeu a fazer um registro em vídeo da festa e de
todo o processo. Outro, fotógrafo, resolveu fazer as fotos. Uma amiga
que faz dança do ventre fez uma apresentação… Outros, que são
músicos, fizeram um som no dia. Eram meus amigos e pais dos coleguinhas
dela e vizinhos.
Todo mundo que você convidou participou?
A
gente bateu de porta em porta. Teve gente que participou mais, outros
menos. No geral, foi muito legal. Um supermercado deu uma lixeira de
lixo reciclável para a praça. Fizemos uma oficina de mosaico, que foi
feito para o muro da praça, e a loja de material de construção, quando
fui comprar o material, eu convidei o pessoal da loja. Quando eles
ficaram sabendo o que iríamos fazer, doaram todo o material. Azulejo,
cimento e tudo… Foi incrível.
E a festa, correu tudo bem? A Alice gostou?
Foi
muito legal. Muito legal mesmo. Teve uma moradora que queria participar
e deu dinheiro. E a gente nem se conhecia. Foram mais de duzentas
pessoas. A Alice adorou. teve um bolo de um metro. Fiz aqui em casa.
Teve pizza e foi tudo demais.
A festa passou. E depois, como ficou a praça?
Eu
fui com a Alice uns dias depois da festa e foi duro. Tinha coco na
praça. Doeu ver a situação da praça. Foi aí que a gente percebeu que a
praça ia voltar a ficar detonada. Precisávamos fzer alguma coisa.
Foi uma surpresa desagradável…
Quando
a praça estava sendo reformada, teve uma arquiteta da prefeitura que
disse que não era a primeira vez que eles estavam refazendo a praça.
Ela lembrou que nós, os moradores, tínhamos uma responsabilidade também
no processo. Refazer uma praça é muito oneroso. A questão é: como
manter isso? A responsabilidade é de uso, de zeladoria… A gente viu
que precisava continuar com a manutenção da praça. Principalmente com a
minha filha.
E o que você fez?
Voltei a sair na rua,
tocar as campainha das casas e saber o que cada um poderia fazer pela
praça. Chamamos os vizinhos. A gente não sabia o que fazer e como
fazer…
Foi aí que surgiu o movimento “Boa Praça”?
É.
Nós vimos que tínhamos que vivenciar a praça para saber o que fazer com
ela. Tivemos a ideia de fazer piqueniques comunitários, todos os
últimos domingos do mês. E começaram a aparecer outros moradores de
outras praças da cidade.
Como as pessoas participam?
Nós
convidamos as pessoas através de convites e pedimos que levem alimentos
saudáveis e bebidas. Tragam seus amigos. E celebrar a praça.
Mesmo com chuva?
Deixa eu bater na madeira. Mas todos os nossos encontros, que foram nove piqueniques e um aniversário, até hoje, não choveu.
Qual é o número de participantes do Boa Praça?
Efetivamente mesmo são umas 20 pessoas. Mas temos uns 200 que participam eventualmente.
O que acontece nesses encontros?
Tem bastante coisa acontecendo. Aulas de ioga, contadores de histórias e muito mais. Mas varia a cada encontro.
Vocês têm uma organização interna? Qual é a sua função?
Não
temos isso. O movimento é anárquico. Todo mundo faz tudo. É muito
trabalho para fazer esses encontros. Nos reunimos na casa de um
associado e combinamos tudo.
Além dos moradores, outros grupos sociais participam?
Sim,
tem escolas no entorno que participam. Tem escolas mais abertas e
outras mais fechadas. Tem uma escola aqui na Vila Anglo Brasileira, a
Mauro de Oliveira, que fizeram uma atividade com o Boa Praça
superlegal. Eram alunos do colegial, e desenharam e escreveram sobre o
que eles queriam para a praça. Saiu muita coisa boa.
O que vem à frente?
A
subprefeitura da Lapa propôs que a gente organizasse uma feira nas
praças. A gente está conversando para organizar isso. Temos contato com
incubadoras que podem oferecer diretamente ao consumidor os produtos
deles. As praças têm duas origens: o Fórum romano e a outra é a Ágora
grega. São espaços de convivência, de troca e de debate. Hoje, a
definição é mais de contemplação. E queremos resgatar o papel das
praças. Principalmente aqui nesta cidade. Precisamos compartilhar o
espaço e viver o próximo.
http://boapraca.ning.com