GDLL Dez21
Uma casa, erguida em 1921, na Vila Romana, completou o centenário e foi tombada. Desta forma fica preservada a memória do bairro, após a luta de Janice de Piero.
É um imóvel simples, fachada neoclássica construída pelo imigrante italiano Angelo de Bortoli que chegou em Santos em 1880. A bisneta de Angelo, Janice de Piero, conta que o bisavô fazia questão de dizer que ele chegou ao Brasil ‘alle sue spese’, ou seja as próprias custas.”
Angelo foi motorista e dono de um tilburi (carro de praça puxado por cavalos) e comprou o terreno na Vila Romana e em uma parte dele ergue o imóvel que reúne duas pequenas residências, em 1921. A data está gravada na fachada. Angelo alugava as residências para outras famílias imigrantes.
A bisneta de Angelo, Janice de Piero, veio morar no imóvel em 1993. Graças a ela o imóvel continua de pé. “Sempre recebi muitas propostas de construtoras querendo comprar a Casa Amarela para erguer mais um prédio. O meu desejo é preservar o imóvel para o bairro e para a cidade”, diz.
Antes de ser questionada, Janice diz que “não sou contra o progresso. Sou a favor que sejam erguidos prédios menores. Acho que falta bom senso por parte das autoridades e dos construtores e incorporadores. O que critico é o exagero e a concentração de tantos edifícios em pequenas áreas. A população que mora no entorno é prejudicada. Ficam sem sol, sem privacidade, perdem a tranquilidade durante a construção desses condomínios. E não temos leis que impeçam que isso continue”.
Depois de uma longa e burocrática luta, Janice conseguiu que o tombamento do imóvel. “Com esse tombamento, só não posso alterar a fachada da casa. Acho que foi uma conquista do bairro e como outros imóveis na região, como a sede da União Fraterna, o prédio da Cia Melhoramentos de Papel, são outros exemplos da memória da região e da cidade”.
Janice, professora e artista plástica, ocupa uma das casas e na outra mantêm um ateliê onde ela trabalha seus projetos artísticas e com regularidade, antes da pandemia, promoveu vários eventos de arte, musical e de palestras por muitos professores da USP que faziam questão de compartilhar seu saber, em eventos gratuitos.
Ela prepara para início de 2022 uma exposição com fotografias de outras casas com mais de 100 anos. Janice está recebendo fotos e fazendo pesquisa em busca de outras construções centenárias. “Mas nem todas estão de pé, infelizmente”.
A bisneta de Angelo sente falta de apoio de vereadores e outras autoridades na defesa da preservação de imóveis na cidade como a Casa Amarela. “Sinto que a prefeitura protege a construtora e não o cidadão. Neste ponto, eu e meus vizinhos, nos sentimos abandonados”, reclama.
A professora diz que sempre recebe apoio de quem passa em frente e a encontra. “Todo mundo faz elogios pela preservação da casa. Fico feliz com este reconhecimento”. Para ela, a relação com o imóvel é sentimental, envolve a família. “Eu uso esse sentimento pela casa como estímulo para desenvolver o meu trabalho de artista e educadora”. No momento, ela conta que está envolvida em uma experimentação com o anil, o pigmento que era muito usado na lavagem de roupas. “Minha avó e minha mãe usava e estou trabalhando com as inúmeras possibilidades que o anil proporciona e quero transformar em uma nova exposição”, adianta.
Recentemente a Casa Amarela foi destaque no programa Mistura Paulista, da TV Globo. “Com isso muita gente na cidade, ficou conhecendo o imóvel. E o interessante é que a Globo me procurou antes do tombamento”, informa.
Janice é uma prova que lutar pela memória de um bairro, dá trabalho mas pode valer a pena. “Minha missão é conservar a Casa Amarela e como tenho feio, abri-la para a comunidade. Quero compartilhar com todos, essa história. Aprendi isso com a minha família italiana”, finaliza. (GA)
Casa Amarela, Rua Camilo, 955, Vila Romana, www.facebook.com/casaamareladavilaromana, janicedepiero@gmail.com