Do outro lado da rua

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Viviane Cabrera

Viviane Cabrera foi moradora da Vila Leopoldina e acaba de lançar um livro reportagem onde conta a história de seis moradores das favelas do Nove e da Linha.

O livro Flores do Asfalto – histórias de duas favelas paulistanas, que narra como é viver numa favela segundo seis moradores, foi o tema escolhido para seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Trabalhando como educadora na creche municipal na Rua Blumenau, Viviane conta como foi aceita nas comunidades e suas impressões da experiência.

O que a motivou escrever o livro?
A história é longa. Morei muitos anos na Rua Aliança Liberal, na V. Leopoldina, e em 2008 saí daqui. Até então não tinha muito contato com problemas sociais do bairro. Prestei concurso na prefeitura de São Paulo, fui aprovada e vim trabalhar na creche Vereador Renato Antônio Checchia, na Rua Blumenau. Foi aí que comecei a ter contato com essa população. Muitas crianças que frequentam a creche vêm da Favela do Nove, da Linha e outras da região. Desse contato com as crianças e os pais delas, tomei consciência. E foi nesse ano, 2009, que entrei na Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAM) para fazer jornalismo. Antes, eu fiz um semestre de letras e, como gosto de escrever, decidi que faria jornalismo. Quando estava terminando o curso, precisava apresentar meu TCC, e resolvi fazer um livro reportagem sobre as favelas aqui da região.

O que quis mostrar nesses seis perfis?
Através desses personagens quero mostrar que são famílias com cinco ou seis pessoas que moram em cubículos, sem infraestrutura e carentes de muitas coisas ao lado de uma região que está em crescimento e sendo chamada de “a nova Moema”.

Como você chegou até essas pessoas? Como elas a receberam?
Como trabalho na creche, conheço muitos pais que moram nas favelas. Pedi ajuda para alguns e eles me apresentaram aos líderes comunitários. Na favela do Nove, quem me ajudou foi a Mª Solange Silva. Na favela da Linha, me passei por parente de uma moradora, a Francineide.

Você se sentiu ameaçadaem algum momento?
Nas duas favelas tem tráfico. E as líderes comunitárias comunicaram a todo mundo quem era eu e o que estava fazendo. Não tive nenhum problema ou insegurança. Circulava por essas comunidades sempre com a companhia de um morador conhecido.

Como você escolheu os personagens?
Foi através de muitas entrevistas. Algumas pessoas falavam muito e por outro lado outras, por mais que eu tenha tentado, não falavam nada. Eu até entendo. Uma estranha querendo saber tudo sobre sua vida. A Soraya, por exemplo, demorou para eu conseguir ter a confiança dela. Desde o ano passado que eu a procurava e só este ano consegui entrevistá-la e foi o último perfil que escrevi. Também contei muito da minha vida para essas pessoas para que elas me conhecessem melhor. Foi uma troca de confiança. Algumas delas, depois que ficamos amigas, contaram que pensavam “o que essa patricinha está fazendo aqui?” Minha intenção foi tornar visíveis pessoas que estão invisíveis para a maioria das pessoas.

Eles já viram seu trabalho pronto?
Eu escrevia os perfis e ia até lá mostrar pra cada entrevistado, para corrigir informações e para ele saber o que eu estava fazendo. Quando cada um lia ou escutava sua história, achava lindo. Quando o livro saiu da gráfica, levei um exemplar para cada um, para ver o resultado do meu trabalho sobre a vida delas. Teve momentos emocionantes e lembro que, quando li o texto para o Pateta, que é o único homem do livro, ele começou a chorar emocionado. Algumas me contaram que, depois de levar o livro para os colegas de trabalho conhecer, sentiram que passaram a ser mais respeitadas.

Sua amizade com eles continua?
Sim. Não tem como não criar uma ligação depois de tanto tempo de convivência. Criamos um vínculo muito forte. 

As crianças dessas favelas são iguais ou diferentes às outras?
Eu já tinha um contato diário com crianças de até quatro anos no meu trabalho na creche. Como qualquer criança, eles querem é brincar. O que observei também é que toda a comunidade cuida bem de suas crianças. Há uma solidariedade muito grande entre os moradores. Vi vários exemplos disso nas minhas visitas. Acho que eles sabem que todos estão no mesmo barco… Na da Linha tem um barracão do ateliê Acaia, uma ONG que presta assistência com oficinas profissionais, e tem um espaço para as crianças.

O que esses moradores mais desejam?
A maior esperança que essa área seja regularizada pela prefeitura. Há também boatos que essa população, ou parte dela, seja transferida para um conjunto habitacional que está sendo construído na Vila dos Remédios. Ainda não tem nada oficializado.

Você teve ajuda de mais gente?
Sim. Dos vereadores Police Neto e Nabil Bonduki, que me ajudaram com muitas informações, e do pessoal da DataFolha.

O que ficou dessa experiência?
Sempre gostei de ler os teóricos de esquerda, como Gramsci, Sartre, Simone de Beauvoir. Ter conhecimento na teoria e sentir na pele essa realidade é diferente. Foi além de um trabalho acadêmico. Foi uma lição de vida. Convivi com eles e recebi deles o melhor que eles poderiam me oferecer. E espero ter dado para eles o meu melhor.

https://www.facebook.com/FloresDoAsfaltoViviCabrera
viviwebster@gmail.com

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