A saúde na zona oeste

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A saúde na zona oeste

Como anda a saúde em nossa região é um dos temas abordados nesta entrevista com o Dr. Heitor Buzzoni, médico urologista com mais de 35 anos de experiência e morador da Lapa. Seu conhecimento sobre medicina vai além da sua especialidade. Presidiu o Cremesp – Conselho Regional de Medicina (1988-1990) e fez parte do corpo clínico do Hospital Sorocabana que está funcionando parcialmente e deverá ser municipalizado em breve. Nesta conversa, Dr. Buzzoni analisa o fechamento de diversos hospitais em nossa região e suas consequências para a população, além de opinar sobre o SUS, medicamentos genéricos e outros temas de interesse.

A Lapa é parte de sua história…
Nasci na Maternidade São Paulo, que foi fechada anos atrás. Era um hospital com 100 anos de tradição, onde nasceram três governadores. Tenho um vínculo familiar com o Hospital Sorocabana porque o meu tio, Mário Rafael Buzzoni, foi o primeiro diretor do hospital construído em 1954 pelo governador Adhemar de Barros, que também era médico urologista mas nunca exerceu a profissão.

Está na Lapa desde quando?
Abri a clínica aqui na Rua Pio XI em 1995 e moro no bairro desde 1973. Não nasci no Sorocabana porque o hospital foi inaugurado em 1954. Mas minha vida toda está  aqui na Lapa.
Qual a importância do Sorocabana para a região?
Era um hospital de alto padrão. Tinha 400 leitos e era o hospital onde eram trazidas as vítimas de acidentes nas estradas de ferro e nas rodovias próximas. Isso evitava de sobrecarregar o Hospital das Clínicas.

O senhor chegou a trabalhar no Sorocabana?
De 1973 a 1983. Era uma grande escola de medicina. Tínhamos  convênio com faculdades de medicina, dada a demanda que ele tinha. Atendíamos pacientes do Brasil inteiro. E estudantes de todo o Brasil vinham fazer residência. Fiz em um ano mais de 142 cirurgias de próstata. Número que muitos colegas não operavam em anos de carreira. Era um hospital de referência da cidade e da região.

Por que tantos hospitais da região foram fechados?
Tínhamos o Hospital de Fraturas da Lapa com 150 leitos, com ótimo padrão de qualidade. Na Rua Espartaco, o Hospital de Urgências da Lapa com 50 leitos. O Itatiaia, na Tomé de Souza, tinha 80 leitos e foi fechado recentemente. Outro que fechou, o Hospital Geral da Lapa, na Avenida São Gualter, tinha 150 leitos. Ou seja, perdemos na região cerca de mil leitos! A população que era de 350 mil habitantes, hoje tem cerca de 750 mil.  Os hospitais são tão importantes para os médicos como o estetoscópio e o aparelho de pressão.

Qual seria o número ideal de leitos por habitantes?
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), são 5 leitos hospitalares para cada mil habitantes. Se a grande São Paulo tem 15 milhões de habitantes, nós teríamos necessidade de 75 mil leitos. E não temos nem 15 mil! Nem públicos, nem privados. Significa que temos menos de 1/5 de leitos que precisamos, segundo a OMS.

E se ocorrer um desastre ou um acidente com muitas vítimas?
Cerca de dez anos atrás, explodiu uma parte do Shopping Center Osasco. Em um dado momento nós precisávamos de 100 leitos. Naquele incêndio, morreram 48 pessoas. Além dos queimados, e das outras vítimas. Até a Unimed enviou helicóptero para levar os feridos para outros hospitais. No Hospital Cruzeiro do Sul o atendimento era feito no chão, não tinha maca para todos os pacientes! Isso é para se ter ideia de quão grave que foi arrumar lugar para tanta gente.

Quando o senhor fala de leitos está incluindo as vagas em UTIs?
Hoje, para eu conseguir internar um paciente preciso de 15 dias de espera. E o hospital exige que eu interne o paciente pela manhã e dê alta para ele à tarde, por falta de leitos. O médico precisa tomar essa atitude por falta de leitos nos hospitais, mesmo os de ponta.

Como reverter essa situação?
A população precisa tomar consciência de que estamos neste estado precário. A Lapa não pode perder o Sorocabana, que atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS). E se alguém quebra uma perna aqui na região, vai para onde? O HC está sobrecarregado.

Qual sua opinião sobre o SUS?
Aqui faço um desabafo. A gente diz que o hospital que trabalha com o SUS é “FF”. Ou seja, está falido, como o Sorocabana, ou está fraudando, que era a situação dos outros hospitais da região que acabaram fechando. Eles não têm condições de manter um hospital recebendo R$ 7 por consulta médica, R$ 22 por uma diária de leito hospitalar! Não tem como sobreviver! Você tem que sustentar o governo!

Hospital é um bom negócio?
Hospital com menos de 120 leitos é deficitário pela estrutura que é preciso para manter tudo isso. É preciso ter 3,2 funcionários por leito. Desde médico, escriturário, enfermeiras e outros profissionais. Com menos, não funciona como deveria. Tem lavanderia, esterilização e tudo o mais. Hospital com mais de 400 leitos também é deficitário. É importante ter uma proporção ideal para atender bem e não fechar. Se lotar vai ser preciso mais funcionários, mais turnos. Um hospital precisa ter uma ocupação superior a 80%, enquanto que um hotel sobrevive com 30%.
A remuneração paga pelo SUS e pelos planos de saúde é baixa?
Sem dúvida. Quem é que quer trabalhar para ganhar R$ 7 por consulta? Que padrão de atendimento vai ter esse paciente? Para atender mil pacientes, o hospital vai pagar um ou dois médicos, no máximo, porque mais do que isso, vai estourar o orçamento.

O Sorocabana é vital para a região e para a cidade?
Não temos outra opção a não ser o Sorocabana. Além do que o hospital está pronto. São oito andares, tem anfiteatro…

Qual a razão desta decadência?
Boa pergunta. Alguns dizem que foram muitas fraudes. Não tenho segurança para afirmar isso. No mínimo, faltou competência. Ele foi administrado por gente que não é do ramo. No passado, tudo era transportado por trem. Aí, a estrada de ferro faliu. Eram 3 hospitais e o da Lapa era o central. Ele pertencia à Fundação dos Funcionários da Estrada de Ferro Sorocabana. O sindicato dos ferroviários não quer perder a boquinha. É gente que tinha altos salários, de R$ 30 e R$ 40 mil mensais. Para administrar um hospital do porte do Sorocabana é preciso entender do assunto.

O Sorocabana tem remédio?
Claro que tem. É preciso colocar dinheiro público e gestores competentes. Coloca um Hospital das Clínicas, Escola Paulista de Medicina para administrar isso e é preciso fazer reformas no prédio. Os funcionários ficaram meses sem receber os salários. O passivo do hospital é superior a R$ 200 milhões.
A municipalização é a saída?
Com a municipalização do hospital pela prefeitura, ela não assume o passivo do hospital. A situação atual é de calamidade pública. A sociedade civil, Rotary Club, OAB, Maçonaria, Colégio Módulo e outras organizações da Lapa estão unidos e precisam do apoio da mídia.

A formação dos médicos está adequada?
Infelizmente não. Propus que o CRM fizesse com os médicos recém formados um exame semelhante ao que a OAB faz com os advogados. O CRM avalia as escolas e não os alunos. Inclusive alguns cursos foram fechados ou reduziram as turmas de alunos e isso é positivo. Incentivamos as faculdades a melhorarem seus cursos em geral. Temos no Brasil uns 300 mil médicos, mas a distribuição geográfica não é a ideal. Temos um médico para 200 habitantes na Avenida Paulista enquanto que no Acre, é um médico para 10 mil habitantes. Para a OMS, o ideal é um médico para cada mil habitantes. E temos aqui o ingresso de médicos formados na Bolívia e de Cuba, que não tem bons cursos.

A medicina brasileira está bem?
Sim, temos orgulho de nossa medicina. Somos referência em cirurgia plástica, e a nossa urologia, modéstia à parte, é maravilhosa. Precisamos melhorar o padrão de atendimento em outros estados.

Quais são os defeitos do SUS?
Principalmente a remuneração. Os custos da medicina são altos.
E como anda a relação entre médico e paciente?
90% da consulta é a empatia entre paciente e médico. Ele precisa sentir segurança no médico que por sua vez precisa dar todas as informações que o paciente precisa ter.

Qual o tempo ideal para uma consulta?
A OMS preconiza que uma consulta leve 15 minutos. A primeira consulta geralmente leva mais tempo. Outras vezes, e apenas um retorno com resultados de exames e mais rápido.

Qual sua opinião sobre os medicamentos genéricos?
Um laboratório, para lançar um novo medicamento, leva cerca de 10 anos de pesquisa e investimento. E nem sempre dá certo. O Viagra, por exemplo, foi desenvolvido para ser um hipotensor e perceberam que ele funcionava melhor para a disfunção erétil. A saúde do homem melhorou com ele. Famílias e casamentos foram recuperados graças à ele. Os laboratórios precisam recuperar os investimentos. Temos marcas nacionais que são confiáveis e de boa qualidade. que eu prescrevo. E o custo do remédio pesa muito no bolso do paciente. Se ele não puder comprar o medicamento, ele abandona o tratamento.

O senhor voltaria a fazer medicina se nascesse de novo?
Sem dúvida. Mesmo sabendo que iria ganhar mal (risos).

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