Na ponta da língua

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Na ponta da Língua

Você acha estranho quando alguém pronuncia as palavras com perfeição, falando ‘erres’ e ‘esses’? Mas essa pessoa está falando corretamente! E escrever corretamente, você sabe como fazer isso? Saiba que muitas pessoas, inclusive formadas na universidade, têm inúmeras dificuldades para se expressar, seja na escrita ou na fala. Por isso procuramos Marisa De Mitri (marisa@expressaoconsultoria.com.br), consultora em comunicação com especialização em Linguística Aplicada, Análise do Discurso e Língua Portuguesa. Um dia antes desta entrevista ela se tornou Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, pela PUC-SP, com nota máxima. Sua experiência com a língua portuguesa inclui treinamento e cursos em grandes empresas. Moradora da Vila Leopoldina desde 2003, ela recebeu o Guia Daqui para um bate-papo sem mistérios.

Por que não se apreende o que se estuda de Português na escola?
Pelo modo como se ensina Português na escola. A começar por objeto direto, objeto indireto, aquela coisa horrorosa, que só se decora, e não se aprende como se escreve. O que se aprende é tudo decorado. O verbo, por exemplo, quando se fala ‘como se conjuga esse verbo?’, tem que começar desde o tempo presente: ‘eu amo, tu amas…’ É tudo decorado. E não tem incentivo, é tudo maçante. A aula de Português é realmente maçante. As professoras precisam aprender uma nova forma de ensinar, a escola está muito atrasada. Mas parece que agora isso vai mudar: eu espero que mude o ensino para um modo chamado Linguística Sistêmico-Funcional. Essa linguagem vai de acordo com a classe social, de acordo com a vida da pessoa, então mostra a linguagem como ela deve ser. Isso ainda demora, mas estamos chegando lá.

E depois, quando a pessoa sai da escola?
Acontece que ela vai para uma empresa e tem que escrever. Muita gente tem dificuldade de escrever. O que está acontecendo em muitos lugares é que está se escrevendo do jeito que se fala, é a oralidade na escrita, inclusive em grandes empresas. Se usa muito ‘pra’; não se usa o verbo de maneira mais formal, como ‘farei’, mas sim ‘vou fazer’; então se usa uma linguagem mais simples mas que todo mundo entenda.

Isso é bom ou não é?
Isso aproxima quando a empresa quer conquistar mais clientes, ela conquista pela persuasão. Mas, na realidade, a linguagem fica pobre. Isso varia de empresa para empresa. Quando as empresas têm culturas diferentes, a linguagem utilizada também é diferente.

Quais empresas primam por uma boa linguagem?
As multinacionais. Tem boas empresas nacionais que se importam, sim, com a linguagem. A maioria das empresas pergunta aos funcionários quem quer participar do curso e muitos têm resistência, porque eles se lembram de como aprenderam Português na escola, e meus cursos não são dessa maneira. Eu trabalho muito com música, eles falam muito, há diálogos. Isso dá leveza ao curso, fica muito agradável e depois eles me falam ‘se soubesse que pontuação era tão simples assim, eu teria aprendido na escola’. E eu falo de orações subordinadas, coordenadas, independentes, eles acham bem mais leve o jeito que eu dou. Ensino Português de uma maneira lúdica, gostosa, de uma maneira que as pessoas gostem de ouvir. Muitos saem do curso querendo ouvir Chico Buarque, porque na verdade nunca analisaram sua música, ‘nunca vi a música dele desse jeito’, eles falam. E já saem querendo comprar CDs e DVDs do Chico.

E por que Chico Buarque?
É o melhor poeta que existe, ele tem muita cultura; Vinicius de Moraes também tinha, mas, para analisar uma música, Chico tem muito mais conteúdo. Estudei muito sobre ele, tudo o que ele já fez de música e literatura. Já fiz até Cafés Literários sobre ele, onde analisei as músicas e os livros dele.

Rever Português com música fica mais fácil?
Sim, fica. Para a maioria das pessoas, se eu pedir para dizer se isso aqui é objeto direto ou indireto, ela não vai lembrar. Quem não gostava de Português, fica difícil dizer. Mas também falo sobre outros assuntos, como a polidez na comunicação, como se dá a abertura para um diálogo. Analisando apenas a linguagem, é possível saber se o gerente, por exemplo, dá abertura para um diálogo ou não; isso na empresa é muito importante. Essa linguagem é muito trabalhada, a interação com outros.

O que é a Abrecom?
Muitos alunos nossos pedem pra ter continuidade nos trabalhos, pessoas mais ‘travadas’, porque em uma semana de treinamento não se faz um orador, alguém que conheça uma linguagem mais abrangente. Para isso, foi criada a Abrecom – Associação Brasileira de Estudos da Comunicação. Muitos alunos nem sabem da associação, mas ela está crescendo, oferecendo cursos abertos, fechados (in-company), e-learning e workshops, tudo ligado à comunicação.

E as novas palavras que surgiram com a informática, como ‘deletar’, ‘printar’?
Muitas delas estão indo para o dicionário, algumas até já estão. Isso é um avanço natural da língua, que é móvel, flexível. Embora a nova ortografia que está em vigor tenha mexido basicamente com acentos e palavras compostas.

E dos brasileiros, em que região se fala melhor?
Norte e Nordeste. Claro que os que estudam. Eles conjugam os verbos certinhos, falam corretamente. O Português deles é bem melhor. Paulista não fala os ‘erres’ finais. Mesmo algumas palavras, como ‘teatro’, muitos falam ‘tiatro’. As pessoas estranham quando se fala o português muito corretamente.

Num curso, você precisa conhecer a empresa e como se fala naquele lugar?
Sim, por exemplo, no Rio Grande do Sul e em Pernambuco não tem como acertar o verbo com os pronomes. Eles usam ‘tu’, mas não usam o ‘esse’ da segunda pessoa, tipo ‘tu chega’, ‘tu pede’ e não tu chegas, te pedes.

O Twitter lançou uma comunicação em 140 caracteres. Você acompanha isso?
Eu acompanho e estamos preparando um curso sobre o assunto. É possível ter coesão e coerência nesse número de caracteres. A grande maioria escreve sem pensar, mas isso hoje também é um documento. E aqui vale usar aquelas abreviações já comuns nessas mensagens rápidas, isso não muda o contexto.

Qual foi seu tema de mestrado?
Foi a persuasão na propaganda, de acordo com a linguística sistêmica-funcional. Inclusive fui convidada pela minha professora para apresentar esse trabalho em Lisboa.

E seu grupo literário, como é?
Toda vez que dou um treinamento, um curso, sempre tem alguém que me chama mais atenção, e eu já percebo se a pessoa gosta de literatura, então eu a convido pra participar do grupo. É um grupo que está crescendo. Nós escolhemos um livro e, quando nos reunimos, discutimos sobre ele.

Que autor você recomenda para quem quer melhorar o Português?
“Olhai os Lírios do Campo”, de Érico Veríssimo. Para quem não tem costume de ler, esse é um livro leve, que todo mundo gosta. Fernando Sabino, Rubem Braga, Lygia Fagundes Telles também são bons. Quem lê muito se recicla através da leitura. É importante ler e prestar atenção na linguagem do livro.

Sua mensagem final.
Não adianta pegar um livro de Português e tentar decorar as regras. A leitura é muito mais importante para quem quer escrever e falar bem. Não existe fórmula melhor para estudar. Mas leia o que gosta, não precisa ser só autores clássicos. (SG)

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